5 livros de ficção e não ficção para refletir sobre a crise ecológica
A convite da seção ‘Favoritos’, a socióloga Sabrina Fernandes indica cinco livros que abordam as mudanças climáticas e questionam o sistema capitalista
O conhecimento de que a mudança climática é real e que seus efeitos já são sentidos ao redor do mundo forma a base de uma discussão ainda mais ampla, que exige investigar e reconhecer as desigualdades por trás do processo como o próprio aquecimento global é um dos vários elementos de uma crise ecológica maior, que acentua vários outros problemas sociais no nosso planeta. A crise ecológica se dá no contexto de uma “policrise”: aumento do custo de vida, guerras imperialistas, endividamento de sociedades inteiras, perda de biodiversidade, aumento de refugiados, pandemia. Incluída na policrise, a emergência climática faz com que nossos prazos para mudança radical da sociedade estejam cada vez mais apertados.
A ciência do clima inclui as ciências sociais e exige de nós também uma perspectiva de educação ambiental. Como isso é importante para não cair nos erros fatais de um negacionismo conspiracionista, trago uma seleção de livros de não-ficção e de ficção e que trabalham a crise ecológica de forma integrada. Não basta conhecer os números e mecanismos físicos e químicos do processo de colapso. Precisamos entender bem as causas – a tal raiz do problema – e assim nos equiparmos de ideias e projetos que ajudam a realmente solucionar a crise.
São livros que questionam o sistema capitalista como produtor de crises e nos lembram que nem tudo que é apresentado como resposta aos problemas ecológicos nos ajudará. Pelo contrário, há falsas soluções propagandeadas por todos os lados, especialmente aquelas que individualizam as culpas enquanto garantem lucros exorbitantes para aqueles que encontram em crises novas oportunidades de negócios. Problemas críticos demandam soluções críticas e os livros a seguir nos ajudam nessa jornada.
Nova York 2140
Kim Stanley Robinson (Trad. Marcia Blasques, Planeta, 2019)
Kim Stanley Robinson é um dos nomes mais consagrados da ficção climática, subgênero da ficção científica. Sua obra ajuda a colocar em termos práticos vários dos impactos que já identificamos com a mudança climática, mas cujos desdobramentos apenas especulamos. Em “Nova York 2140”, Robinson nos traz uma cidade transformada pelos efeitos permanentes do aumento do nível do mar causado pelo aquecimento global. A inundação descrita pelo autor vai além das estimativas científicas mais pessimistas, mas serve para ilustrar o tipo de alteração radical que poderá impactar a dinâmica da vida de seres humanos e outras espécies caso não tomemos as medidas necessárias para frear a emissão de gases de efeito estufa.
A luta de classes está presente no livro, tanto pela crítica ao capitalismo como sistema de desastre, quanto pelas desigualdades que tomam formas específicas em uma Nova York inundada, evidente nos novos arranjos de moradia e transporte, e despojada de suas caraterísticas como centro cosmopolita dos Estados Unidos. O livro conta com múltiplos narradores, o que nos ajuda a compreender como os interesses materiais de cada pessoa moldam interpretações da realidade. Como muitas capitais brasileiras são particularmente vulneráveis ao aumento do nível do mar, , vale a leitura dessa peça de ficção para nos motivar a mudanças políticas antes que seja tarde demais.
O ecossocialismo de Karl Marx
Kohei Saito (Trad. Pedro Davoglio, Boitempo, 2021)
O livro de Kohei Saito traz uma das bases teóricas mais avançadas para compreender as contradições entre o sistema capitalista e uma vida sustentável e regulada com a natureza. Saito volta a escritos de Karl Marx, um dos maiores pensadores críticos ao capitalismo até hoje, para explicar facetas do modo de produção atual e sua tendência ao rompimento dos limites ecológicos.
Uma das características mais interessantes do livro é que Saito nos ajuda a repensar até mesmo como estratégias socialistas falham quando tratam as bases ecológicas da vida como uma pauta à parte, algo que pode ser abordado de forma isolada em vez de completamente integrada a um metabolismo ecossocial. Karl Marx não era ecossocialista – não existia tal termo tampouco uma vertente estabelecida nesses moldes na época – mas Saito demonstra exemplarmente como o método de análise marxista, se aplicado a rigor, é capaz de identificar as maiores contradições entre a produção de riqueza no capitalismo e a destruição da nossa capacidade de sustentar a vida na Terra. É um livro para aquelas pessoas já iniciadas no debate crítico sobre o capital e que não se satisfazem com projetos políticos de esquerda que só tratam da natureza diante de novos desastres. Estudo necessário para quem pretende contribuir com o debate de ideias sobre uma estratégia política alternativa que reconhece que não existe qualquer possibilidade de construir o socialismo em terra arrasada.
Alternativas sistêmicas
Pablo Solón (Org.) (Elefante, 2019)
É claro que a discussão de uma alternativa ao momento atual não é simples. Por isso, o uso do plural em “Alternativas sistêmicas”, organizado por Pablo Solón, é deliberado. Cada capítulo aborda paradigmas que dialogam uns com os outros na busca de uma sociedade sustentável ecologicamente e desejável também por pautar uma vida sem opressões.
O livro trata da discussão de “bem viver”, de especial importância na América Latina, convidando a repensar abundância e qualidade de vida hoje a partir de perspectivas tradicionais. Não se trata de voltar ao passado ou a um modo de vida específico, mas de mudar princípios organizativos da vida. É por isso que temas como decrescimento e ecossocialismo também são apresentados, embora a separação temática apresente uma certa distância entre algumas ideias que, na realidade, operam quase como em síntese nos movimentos sociais que lutam por transformação. Destaque para a discussão de ecofeminismo, que no capítulo de Elizabeth Peredo Beltrán, apresenta uma das introduções mais pedagógicas sobre o tema em língua portuguesa.
Os despossuídos
Ursula K Le Guin (Trad. Susana L. de Alexandria, Aleph, 2019)
Um clássico, “Os despossuídos” nos leva a refletir sobre riqueza e escassez tanto em termos da disponibilidade planetária quanto a respeito dos valores que promovemos na nossa sociedade. Le Guin foi uma autora pioneira a tratar de gênero, liderança, ecologia e organização social em suas obras, sendo que o universo em que “Os despossuídos” se localiza também nos apresenta debates importantes sobre os rumos da ciência e da tecnologia. Isso fica bastante evidente nos dilemas enfrentados pelo protagonista Shevek, cientista nascido e criado na lua Anarres, para onde toda uma sociedade migrou após uma rebelião no planeta Urras com o intuito de construir um outro modelo de organização da produção e da vida.
O livro nos ajuda a pensar e repensar prioridades, modos solidários de vivência em comunidade, o ensino de crianças e jovens, e a própria organização do trabalho de acordo com as necessidades sociais, para além da necessidade de sobreviver ou de desejos individuais de carreira. É impossível não se chocar com elementos de Urras que, no cotidiano, normalizamos como a única maneira de se viver na Terra hoje. Por isso mesmo, a leitura ajuda a imaginar o que Anarres pode oferecer de positivo caso consigamos superar o capitalismo, e quais conflitos ainda poderão surgir de acordo com nossas ideias políticas e as condições ecológicas do lugar em que vivemos.
Em chamas: uma (ardente) busca por um novo acordo ecológico
Naomi Klein (Trad. Ana Clara, Alta Books, 2021)
Há uma leva recente de livros que nos ajudam a pensar políticas públicas de transição climática e, mais amplamente, ecológica. Muitos tratam especificamente do molde de um Green New Deal, conhecido como um pacote de políticas ambientais nos Estados Unidos e outros países centrais. Neste livro, Naomi Klein se soma a outras vozes para explicar, em um conjunto de ensaios, como um projeto de transição é urgente hoje e como ele é capaz de mobilizar pessoas ao redor do mundo.
Klein aborda uma diversidade impressionante de temas no livro, que vai desde sanar dúvidas sobre as propostas polêmicas da geoengenharia até demonstrar como não há a menor possibilidade de resolver a crise climática com soluções meramente individuais. O debate de transições é amplo e exige levar a sério as várias contradições presentes em tentar amenizar o problema o mais rápido possível enquanto construímos as bases mais radicais para resolvê-lo de uma vez. O livro de Klein é uma adição muito bem-vinda ao exercício de imaginar e desenhar acordos que nos ajudem nesse caminho.
Sabrina Fernandes é pesquisadora, doutora em sociologia e economista política. Fundou e produz o Tese Onze, plataforma digital de educação política radical, e é autora de “Se quiser mudar o mundo: um guia político para quem se importa” (Planeta, 2020) e “Sintomas Mórbidos: a encruzilhada da esquerda brasileira” (Autonomia Literária, 2019), além de dezenas de artigos e capítulos de livro publicados no Brasil e internacionalmente.
Fonte: Nexo