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A triste realidade da entrada do coronavírus nas favelas do Brasil

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A pandemia causada pela doença covid-19 trouxe muitas incertezas, mas é possível apontar uma importante conclusão sobre seu impacto no Brasil: a covid-19 não atinge todos os grupos sociais da mesma forma. Em outras palavras: a pandemia tem classe, gênero e cor. Os mais pobres, e entre estes a população negra e afrodescendente, são os mais afetados devido a vários motivos.

Este grupo social enfrenta dificuldades de se isolar, seja em função das moradias superlotadas e inadequadas – e ainda sem acesso regular à água e aos serviços de saneamento básico que em geral caracterizam os territórios populares –, seja em decorrência das ocupações que exercem – em sua maioria, no setor informal e na prestação de serviços – ficando mais expostos ao contágio do vírus. Além disso, este grupo social também tem menor acesso aos serviços de saúde de qualidade, restringindo as possibilidades de tratamento adequado no caso de contaminação.

A pandemia desvelou as mazelas do padrão da urbanização brasileiro, desigual e segregado. Além do desenvolvimento do vírus ser, provavelmente, a expressão dos desequilíbrios socioambientais associados ao modelo de desenvolvimento neoliberal que tem sido adotado pelo mundo capitalista, a sua rápida difusão está associada à proximidade física. Nesse sentido, uma das medidas para sua contenção é manter o isolamento social representado na mensagem, já conhecida por todos, “fique em casa”.

Os territórios populares também enfrentam dificuldades de implementar o isolamento social em função de outro aspecto relevante: muitos deles são controlados por grupos de milícias e tráfico de drogas que impedem a paralisação das atividades de comércio e serviços locais. Ainda dentro deste contexto social, as mulheres são aquelas que mais assumem as atividades de reprodução social e de cuidado com as crianças, idosos e doentes, e ficam mais expostas ao contágio em decorrência disso. No contexto de confinamento, muitas mulheres podem estar sendo vítimas de violência doméstica, sem poderem fazer denúncias ou acionar redes de proteção.

O que tudo isso significa? Que as medidas de isolamento social, absolutamente necessárias, não são suficientes para o enfrentamento da pandemia nas favelas e assentamentos informais, onde as classes populares vivem. O Estado não está presente nas periferias, pelo menos não como deveria. O direito à cidade não é garantido. São necessárias políticas públicas e ações em vários campos e dimensões envolvendo a economia solidária popular, a manutenção da renda básica de subsistência, o atendimento adequado pela rede de saúde pública com o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), o acesso à moradia adequada, ao saneamento, à mobilidade, políticas para atender as situações de vulnerabilidade que tão bem conhecemos: favelas, ocupações urbanas, camelôs e demais trabalhadores informais, população em situação de rua, etc.

A falta da implementação de uma política urbana integrada a políticas sociais, reivindicada há décadas pelos movimentos, organizações sociais e instituições da sociedade civil se apresentou da maneira mais cruel: com aumento do número de infectados e de mortes. São os movimentos sociais e as organizações não-governamentais de defesa dos direitos humanos, cujas lideranças estavam sendo criminalizadas, que hoje organizam as redes de instituições nas periferias e promovem ações de solidariedade e de resistência visando o enfrentamento da crise. Essas ações envolvem a coleta de recursos por meio de vaquinhas, distribuição de cestas básicas, de kits de higiene e campanhas de informação, entre outras.

Cabe ressaltar que o SUS, que o governo federal estava prestes a desmontar e segue enfraquecendo, tem desempenhado um papel fundamental neste contexto, salvando milhares de vidas e mostrando a importância de se ter um sistema público de saúde universalizado.

Num país historicamente dividido entre a casa grande e a senzala, não é possível haver unidade política. A postura do governo Bolsonaro não reflete apenas a incompetência da coordenação da crise provocada pela pandemia, é uma política irresponsável que promove a morte de milhares de pessoas, mas não quaisquer pessoas. É uma necropolítica, no sentido atribuído pelo filósofo e historiador Achille Mbembe, de implicar em uma escolha diferenciada sobre quem vai ou não morrer com as medidas adotadas. No caso do Brasil, os escolhidos pelo governo para morrer são os pobres, as mulheres, os negros, afrodescendentes e os idosos. Insistimos, não é incompetência, é muito pior: é uma política de promoção da morte.

Diante desse quadro, dezenas de redes, fóruns e organizações nacionais elaboraram o documento: O “Combate à Pandemia Covid-19 nas Periferias Urbanas, Favelas e Junto aos Grupos Sociais Vulneráveis”. O documento propõe diretrizes concretas para o enfrentamento da pandemia no curto e no médio prazo, reforça a importância do SUS e da universalização do acesso ao saneamento básico. O texto ainda repudia a Emenda Constitucional 95, medida que congela gastos sociais por 20 anos e impede os investimentos necessários em saúde, educação e nas áreas sociais, apontando a urgência de políticas públicas nessas áreas.

As medidas estão divididas em 13 tópicos, cada um dos quais trazendo medidas concretas que podem, e devem ser adotadas pelos governos municipais, estaduais e pelo governo federal. São eles:

1. Elaboração de Planos Emergenciais pelos Governos da União, do Distrito Federal, dos Estados e Municípios
2. Garantia ao Acesso de Equipamentos e Serviços de Higiene e Alimentação.
3. Garantia do Acesso aos Serviços Básicos e Promoção da Universalização do Saneamento Básico.
4. Auxílio Financeiro às Famílias de Baixa Renda.
5. Fortalecimento das Ações Comunitárias e dos Espaços de Participação Social.
6. Campanhas de Informação e Comunicação.
7. Promoção da Mobilidade em Tempos de Quarentena e Restrição à Circulação.
8. Direito Universal à Saúde Pública de Qualidade.
9. Segurança de Posse e Direito à Moradia.
10. Solidariedade à População em Situação de Rua e adoção do Programa Quarto de Quarentena.
11. Fim da Política de Militarização dos Territórios Populares.
12. Política de Prevenção da covid-19 nas Prisões.
13. Por uma Nova Política Econômica Justa, Democrática e Sustentável.

 


Por Margareth Matiko Uemura (Instituto Polis, BR Cidades) e Orlando Alves dos Santos Junior (IPPUR/UFRJ, Observatório das Metrópoles)