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Crise do capitalismo revela importância da classe trabalhadora, diz historiador

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A pandemia de covid-19 tem sido devastadora em termos sanitários, mas também tem graves consequências econômicas. A desindustrialização em centros importantes e, principalmente, o aumento do desemprego deixando milhões em situação de extrema pobreza, poderão ter efeitos devastadores e provocar alterações significativas no panorama da economia mundial.

O historiador indiano Vijay Prashad classifica as ausências em postos de trabalho por conta da quarentena, que atingiu boa parte da população economicamente ativa pelo mundo, como uma “greve geral obrigatória”.

“É a primeira vez que tanta gente é removida do trabalho em um sistema capitalista”, aponta. Somente no Brasil, até maio deste ano, mais de 7,8 milhões de pessoas ficaram sem emprego, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Suas consequências, afirma o historiador, revelaram a importância da classe trabalhadora na engenharia capitalista. “Esse sistema entrou em colapso, o que prova que o sistema capitalista depende da força de trabalho, e não apenas do capital. O instante em que você retira o trabalhador dessa equação, o sistema entra em colapso”.

Confira alguns trechos da entrevista ao Brasil de Fato.

 

Brasil de Fato: Nós vemos níveis alarmantes de desemprego em todo o planeta, apesar de alguns países já terem iniciado uma pequena recuperação. Essa é uma crise da diferente daquela que aconteceu em 2008, não?

Vijay Prashad: Em 2020, não se tem um problema de liquidez, os bancos na verdade estão com muito dinheiro. O problema que se tem é um problema de empregabilidade. Imagine um grande lockdown, imagine algo em torno de 2,7 bilhões de pessoas desempregadas abruptamente nesse lockdown, esse é um número enorme, é praticamente metade da força de trabalho mundial de repente sem uma ocupação, sem formas de ganhar o seu sustento.

A maior parte das pessoas não têm economias o suficiente para sobreviverem por mais do que uma semana a dez dias, não muito mais do que isso. Se elas tiverem que pagar aluguel, elas estão perdidas. Não se tem esse tipo de dinheiro guardado, digo, a maioria da população. Então se você decreta um lockdown de duas semanas, você basicamente está condenando a maior parte das população mundial a morrer de fome.

É interessante, porque essa foi uma espécie de greve geral obrigatória, porque é a primeira vez que tanta gente é removida do trabalho em um sistema capitalista, e esse sistema entrou em colapso, o que prova que o sistema capitalista depende da força de trabalho, e não apenas no capital, ou em ideias. É o trabalho que atribui valor a ele. O instante em que você retira o trabalhador dessa equação, o sistema entra em colapso. Então como solucionar o problema? Como salvar o sistema? Dinheiro deveria ter sido angariado imediatamente para ajudar a população, porque é uma crise de empregabilidade.

O principal objetivo do dinheiro agora deveria ser alimentar as pessoas, dar condições para que as pessoas sobrevivam durante o lockdown. Não dar dinheiro aos bancos e empresas, porque eles já estão montados em dinheiro. Se não for em contas legais, em contas ilícitas no exterior. Eles não precisam de mais dinheiro. Se você der mais dinheiro para as companhias, elas não vão contratar mais pessoas, porque pelo menos durante duas semanas ou um mês, ninguém poderá ser contratado no lockdown.

Então ao invés de lidar com a crise da pandemia, que não é uma crise de liquidez, é uma crise de empregabilidade, ao invés de lidar com ela pelo que ela é, eles usam a mesma fórmula de dez anos atrás e, como de costume, simplesmente dão mais dinheiro aos ricos. Isso é simplesmente ridículo.

O senhor acredita que, ao contrário do que desenhava, com iniciativas neoliberais e um enxugamento do estado, essa crise mostrou a importância de políticas públicas?

Quando você compara os EUA, um dos países mais ricos do mundo em renda per capita, e o Vietnã, um dos países mais pobres do mundo, a comparação é surpreendente. No Vietnã, que tem uma fronteira de mais ou menos mil km com a China, não houve nenhuma morte, ninguém morreu de covid-19.

O motivo para ninguém ter morrido é que, apesar de todos os problemas do Vietnã, eles mantiveram um sistema público de saúde. Eles têm um governo que acredita na ciência. E por todas essas razões, quando a covid-19, quando todas as histórias da China surgiram em janeiro de 2020, o governo do Vietnã entrou em ação. E os órgãos de saúde pública começaram a monitorar a saúde das pessoas, começaram a checar a temperatura das pessoas, e assim por diante.

Um país como a Índia, como o Brasil, EUA, Itália e o Reino Unido, em todos esses países capitalistas, nos últimos dez anos, pelo menos, se não mais, os governos estão destruindo os sistemas públicos de saúde, não estão pagando o suficiente para médicos e enfermeiros, estão acabando com os sindicatos, estão essencialmente promovendo a privatização da medicina.

A saúde e a medicina jamais deveriam existir pelo lucro. Saúde e medicina são serviços sociais essenciais, eles devem continuar no setor social. Jamais para o lucro em qualquer sistema. Nunca em um sistema socialista, obviamente, mas também não em um sistema capitalista, porque é cruel fazer dinheiro em cima da saúde dos outros.

Então se você destrói a sua infraestrutura de saúde, se tem um governo que não acredita na Ciência, o senhor Bolsonaro não parece acreditar na Ciência, o senhor Narendra Modi não parece acreditar na Ciência, o senhor Donald Trump não parece acreditar na ciência. Você não acredita na ciência por um lado, e não tem um sistema público de saúde, então você vai ter uma catástrofe quando uma pandemia surgir. E é isso que aconteceu.


Edição: Leandro Melito. Fonte: Brasil de Fato