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Livro ‘Da fome à fome: diálogos com Josué de Castro’ detalha o papel do agronegócio na volta do Brasil ao mapa da fome

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A responsabilidade do agronegócio na volta da fome na vida de milhões de pessoas no Brasil é um dos principais assuntos tratados no livro ‘Da fome à fome: diálogos com Josué de Castro’, lançado na última quinta-feira, 14, em evento com transmissão online.
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A publicação é resultado de uma série de debates promovidos pela Cátedra Josué de Castro, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP), em especial o seminário “Geografia da Fome, 75 anos depois: novos e velhos dilemas”, realizado no final de 2021.

Em 27 ensaios assinados por pesquisadores e ativistas, o livro recorre ao legado de Josué de Castro para mostrar que, ao contrário do que prega o senso comum, a fome não se combate apenas com a produção em massa de alimentos.

A obra, organizada por Tereza Campello, ex-ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2011-2016), e Ana Paula Bortoletto, doutora em Nutrição em Saúde Pública, desmonta as teses defendidas por atores do agronegócio que atribuem o retorno da fome ao Brasil, exclusivamente, à pandemia de Covid-19 ou à recente guerra na Ucrânia.

“É paradoxal que, hoje, três recordes diferentes sejam recorrentes nas manchetes brasileiras: fome, desmatamento, e produção de grãos”, avalia Tereza Campello no prefácio. Ela destaca que 58,7% das pessoas enfrentam algum grau de insegurança alimentar, enquanto a expectativa é de que a safra de grãos alcance 259 milhões de toneladas em 2022. “Neste período, assistimos a um aumento assustador da fome”, avalia a ex-ministra.

Grãos e fome

O crescimento da produção de commodities como soja e milho é acompanhado pelo avanço expressivo do desmatamento na Amazônia, o primeiro trimestre de 2022 apresentou os maiores níveis dos últimos seis anos e, segundo os pesquisadores, “essa combinação de fatores produz novas geografias que merecem ser analisadas detidamente: geografia da desigualdade, da pobreza, da produção de alimentos, da crise socioambiental e alimentar, entre tantas outras.”

De fato, o acirramento do quadro de fome e de insegurança alimentar no Brasil está entre as mais graves heranças da pandemia. “Mas não esqueçamos que a Covid-19 alcançou o Brasil em abril de 2020, e dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) 2017-2018, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), já indicavam a volta da fome”, disse Tereza, durante a apresentação de lançamento.

“Dois anos antes da pandemia, era possível notar que o País, que havia saído do Mapa da Fome das Nações Unidas, em 2014, caminhava na contramão nessa agenda”, finalizou.

Concentração fundiária

Além da constante expansão da fronteira agrícola, o alto grau de concentração fundiária (grandes acúmulos de terras) também faz parte dos argumentos que ajudam a explicar o paradoxo em que o Brasil se encontra.

De acordo com a obra, o País assiste à ampliação da fome ao mesmo tempo em que exibe elevado crescimento da produtividade, um cenário em que mais da metade da população convive com algum grau de insegurança alimentar.

A publicação mostra, ainda, que, no Brasil, 1% de grandes propriedades concentra aproximadamente 45% da terra, enquanto os 50% menores detêm apenas 2% da área total explorada. Esse recorte da agricultura nacional estaria, assim, “historicamente baseada em um modelo colonial, escravocrata e latifundiário, com vocação predominantemente econômica”.

“A agroindústria brasileira não se propôs ao desafio de solucionar o problema da fome no País, pelo contrário, acaba por amplificá-lo ao se situar no centro das principais crises ambientais do presente como mudanças climáticas, perda de biodiversidade e regulação do ciclo hídrico”, diz trecho da obra.

Entre os autores do livro estão José Graziano da Silva, ex-presidente da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), e Carlos Monteiro, um dos maiores especialistas mundiais em nutrição e alimentação, além das pesquisadoras Tania Bacelar e Inês Rugani, dos economistas Ricardo Abramovay e Ladislau Dowbor, e ativistas de movimentos pela alimentação saudável, de lutas antirracistas, por moradia e direitos de comunidades quilombolas.



Fonte: Cultura UOL