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O capital e a saúde mental, em tempos de pandemia

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Por: Tiago de Oliveira Conceição*


A negação das questões do espírito aos trabalhadores e trabalhadoras, por assim dizer sua dimensão mental, em nossa sociedade capitalista, os legou o lugar de um corpo-máquina instrumentalizado, exclusivamente, para a produção e o consumo. Na estrutura do capital, o trabalhador é um corpo descolado de seus sentimentos, emoções e desejos. O capitalismo não apenas direciona suas pulsões ao consumo e às promessas do sucesso meritocrático, mas também os deixa à mercê das frustrações e dos sintomas que afligem o corpo e a mente, em sua grande maioria, provocados por uma adesão compulsória a esse modo de produção opressor da verdade subjetiva. Seus corpos violentados nas fábricas e nos comércios, amargam um definhamento corroborado pelo próprio estado. E, nesse contexto, desde sempre, os ambientes das bibliotecas, das livrarias e dos consultórios psicológicos se mantiveram indiferentes à classe trabalhadora menos favorecida, a qual, por sua vez, lhes veem como hostis a sua realidade financeira e cultural.

O modo de produção vigente retirou dessa classe, dentre tantos direitos humanos, o de se preocupar com a sua saúde mental. As patologias mentais para pobres e trabalhadores são, há muito tempo, tidas como sinônimo de preguiça e loucura. Nesse sentido, de um extremo ao outro, somos levados a crer que não há um meio termo. Porém, é nesse meio termo, que residem patologias graves como a depressão, os transtornos de ansiedade, de humor, de personalidade e de atenção, a angústia, as fobias, as ideações suicidas e tantas outras doenças mentais que não tornam ninguém louco ou preguiçoso, mas faz da vida dos trabalhadores mais pesada do que, de fato, poderia ser. Quem nunca ouviu dizer que pobre não tem tempo para depressão? Nas batalhas da vida operária, cada um sabe de si o que pode e faz disso o que é possível, mas o que não é sabido também move a todos nós e, para muitos, engendra ainda sintomas, os quais destroem corpos, mentes e relações.

A atual conjuntura pandêmica, no Brasil, acaba por agravar a situação da saúde mental do trabalhador comum, desses que precisam de ônibus e metrôs lotados para se locomoverem até a empresa em que trabalham, correndo o máximo risco de adquirir o corona vírus e que temem, ainda, a perda do emprego ou a redução do salário. Nas redes sociais, não faltam lives e textos sobre a “saúde mental, em tempos de pandemia”, no entanto, pouco é falado sobre o isolamento social comum à vida dessas pessoas, desde muito antes da COVID 19, em seu cotidiano laboral. A preocupação com a saúde mental nunca esteve tanto em voga. Mas a saúde mental de quem? Os que puderam permanecer em homeoffice perceberam que a cobrança e o frenesi das vendas e da produção, mesmo num contexto de mortes crescentes em todo mundo, não diminuíram. Junto às situações como essas, como falado anteriormente, além do medo da perda do emprego e renda, o da morte de parentes e de amigos, e a angústia dos que ficaram isolados, aumentaram, em vários países, os casos de depressão, ansiedade e alcoolismo, o que já apontam os relatórios mais recentes da OMS – Organização Mundial da Saúde.

Nas pesquisas, aparecem os médicos como os principais profissionais da saúde que estão na linha de frente no combate à COVID 19, os quais são, inegavelmente, merecedores de atenção. Mas questiona-se aqui como andam os trabalhadores das outras linhas de frente que não pararam, nem receberam qualquer garantia de permanência no emprego, diante da crise econômica que já se instalou e já começa a fechar empresas. Não podendo aderir à quarentena, empregadas domésticas, caixas de farmácias e supermercados, os entregadores de aplicativos, agentes de saúde, os profissionais de serviços gerais e tantos outros, sofrem e se angustiam com o descaso do atual governo e por parte ainda de muitas empresas que continuam impondo a essas pessoas um tipo de isolamento já vivenciado por elas, mas agora asseverado pela pandemia: o da total desconsideração de sua humanidade, a qual não se constitui apenas do corpo, mas também do espírito – das questões da mente e de seu imaginário que anseia a realização. É dessa amálgama que se faz o homem e a mulher. Negar isso ao ser humano é apenas mais uma prova da pulsão de morte, no cerne do capitalismo.

Para Lacan, a verdade não expressa habita a linguagem sob a forma de uma subjetividade oprimida. O que não resta dúvida é de que toda essa opressão sobre a subjetividade dos trabalhadores e trabalhadoras tem um pai, o qual se quer tem ares de vivo, mas de morto vivo, uma espécie de vampiro, o capital. O qual mata a boa relação do trabalhador com a sua saúde mental por meio da alienação, da precariedade nas condições de trabalho e transporte, e de seu conjunto de violências estruturais como o machismo e o racismo. Como não desenvolver um alto grau de ansiedade e depressão numa sociedade em que a luta pela vida é, no fundo, uma luta pela morte? Sendo essa luta ainda justificada para naturalizar as agressões capitalistas ao corpo e à mente do trabalhador. Como se manter homeostático, num contexto em que o trabalhador, além de alienado no processo que ele mesmo é parte, é também sempre exposto à frustração de nunca satisfazer os desejos ensejados culturalmente pelo sistema que ele próprio dá o sangue e a saúde para manter? Como se manter animado, bem disposto e em sintonia com seu ego, quando a miséria, a pobreza e as condições desumanas de trabalho configuram sua vida?

A abertura do comércio e o retorno ao trabalho, num momento em que a curva dos contaminados pelo corona vírus, no Brasil, não tende ao achatamento, revela o caráter crônico da situação dos trabalhadores. Nesse sentido, a potencialização das agruras mentais segue a mesma curva. Ao evitar o lockdown, o país sinaliza a total desimportância dada à saúde física e mental das pessoas, em prol de um suposto salvamento da economia. Contudo, tal medida não garante salvar a economia, tão pouco o bem estar de todos. Lembremos, neste ponto, o conceito de saúde estabelecido pela OMS e utilizado pelo SUS – Sistema Único de Saúde, no desenvolvimento de seus programas: saúde é “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”.


* Tiago de Oliveira Conceição é Bancário, Graduando em Psicologia e Psicanálise. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente

 

* Fonte: Expressão Sergipana