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O rei não ficou nu sozinho: a atual situação da Justiça do Trabalho

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Movimento autodestrutivo da Justiça do Trabalho é resultado de vigaristas que venderam uma veste inexistente

Por Nuredin Ahmad Allan

Meu projeto 1
Há um conhecido conto infantil nominado O rei nu, de autoria do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen e datado de meados do século XIX. Admitidas algumas variações e versões, a síntese da estória remete a um golpista que, diante da excessiva vaidade de um rei, de determinado reino, aplica-lhe um golpe. Promete vestes maravilhosas e especiais, a custos altíssimos (de muitas especiarias). Quando indagado pelo rei sobre as suas vestimentas o vigarista afirma, diante de uma mesa vazia: – Aqui estão elas. O rei, por sua vez, para que não admitisse sua ignorância diante do desconhecido marcou um desfile para a apresentação daquelas nobres e maravilhosas vestes.

No dia da apresentação aos súditos o rei surge absolutamente nu, com servos segurando a sua cauda invisível. As pessoas ao seu redor, em razão da reação e das palavras do rei acerca das suas lindas vestes, seguem espelhando a ilusão de que estaria o rei integralmente vestido. Até que um menino grita: – O rei está nu; o rei está nu. Ocasião em que todos se permitiram acreditar que diante de seus olhos, de fato, sempre esteve o rei nu, tal como a realidade lhes entregava. Com vergonha, por um período, o rei se recolheu.

A linha entre o que vive e Justiça do Trabalho nos últimos tempos e o conto que ultrapassa os séculos é mais tênue do que se pode imaginar.

O histórico da Justiça Especializada sempre trouxe consigo uma lógica pacificadora, desde sua instituição. Instrumento necessário à solução de conflitos, embora, conflitos propriamente ditos nunca tivessem ocorrido. O que se carrega nesse período de existência é o reiterado e o vantajoso descumprimento das relações contratuais, pelos empregadores. A solução de conflitos e a lógica conciliatória sempre foram instrumento avançado e de uso do capital econômico. Descumprir para pagar menos, valendo-se da necessidade do (a) trabalhador (a), que entregava sua força de trabalho (seu corpo) em troca de uma contraprestação financeira não honrada. A dependência econômica e a necessidade de sobrevivência (alimentar) sempre foram determinantes para a concessão por parte dos (as) trabalhadores (as).

Evidente que a Justiça do Trabalho foi aprimorada – e qualificada – com o passar dos anos, tornando-a um instrumento significativo dentro da luta de classes, a partir de seu efeito reparador e de uma acentuada participação sistêmica de entidades sindicais.

O elevado índice de conquistas, a partir da construção de uma jurisprudência minimente preservadora de direitos – o que se entende por natural diante de uma Constituição Cidadã – sem dúvidas gerou revolta e indignação, não apenas do poder econômico, mas de uma parcela estrutural (interna) da própria Justiça do Trabalho.

Um movimento, interno, explorando a vaidade de alguns poucos de seus integrantes e de uma lógica destrutiva, de direitos e de garantias, pediu passagem. Momento, então, que surge o rei. Adulado e convencido de que algo deveria ser feito e admitindo uma pauta autofágica, pois, sustentada na destruição da razão de existência da própria instituição.

O projeto se inicia, pós-golpe de 2016, com a nominada Reforma Trabalhista (2017). Seduzida pelo vigarista (alfaiate), a Justiça do Trabalho acredita, piamente, que diante da mesa estão postas as mais belas vestes existentes, produzidas com as mais caras sedas e lãs vindas dos mais longínquos reinos.

A adoção de situações excepcionais tratadas como se fossem o todo ou a regra geral dentro da Justiça do Trabalho, para justificar medidas extremas e obstar o acesso à justiça; assim como afirmações falsas (como a de que 98% das ações trabalhistas do mundo estariam no Brasil) passaram a ser recorrentes em inúmeros meios de comunicação da imprensa hegemônica e comercial.

O processo de alteração legal Reforma Trabalhista sempre teve caráter desestruturante, mas, mesmo assim, obteve eco e coro de muitos dos seus atores sociais, inclusive setores da advocacia.

A Justiça do Trabalho, portanto, de maneira institucional, assume referida condição. Aceita vestir a indumentária proposta – pelo alfaiate e vigarista – que nada mais era do que roupa alguma. A Justiça do Trabalho estava, então, integralmente nua. Despida de sua essência e distanciada de sua natureza. Acreditando que o seu fim seria a única saída.

O vigarista deixa o reino caminhando pela porta da frente tendo às suas costas, sem remorso, uma cadeia destrutiva. O menino segue gritando: – O rei está nu; o rei está nu. A diferença para o conto infantil e histórico é que neste o rei ao menos se recolheu e, por algum tempo vergonha sentiu. Os súditos ao seu redor admitiram o que estava diante de seus olhos (o rei nu). E aqui?

Nuredin Ahmad Allan é advogado trabalhista e sindical, integrante da Rede Lado e membro da executiva nacional da ABJD | contato@nuredin.adv.br