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Reflexões sobre a saúde mental no ambiente de trabalho

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É crucial que tanto o Estado como as empresas invistam em políticas para assegurar aos trabalhadores um meio ambiente do trabalho saudável e equilibrado

Ricardo Calcini e Leandro Bocchi de Moraes

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Com a chegada de mais um novo ano, grande parte das pessoas ficam reflexivas, e, nesse sentido, organizam e se planejam para os meses subsequentes. Justamente por isso que, neste mês inicial de 2023, acontece a celebração da campanha Janeiro Branco [1], em que são feitas elucubrações sobre a temática da saúde mental.

Essa campanha surgiu no ano de 2014, em virtude dos elevados índices de transtornos de ansiedade que acometeram a população no Brasil [2]. Sabe-se que para uma vida feliz e equilibrada, assim como para um corpo saudável, a saúde mental revela-se basilar. Para o criador da campanha, “2020 e 2021 acrescentaram novos desafios às antigas demandas da saúde mental, mas, também, destacaram, sobremaneira, a sua importância para a humanidade” [3].

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), na América Latina o Brasil é o país com maior prevalência de depressão, ocupando a segunda posição nas Américas [4]. Aliás, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde, a depressão é a principal causa de incapacidade em todo o mundo.

Entrementes, um estudo concluiu que os problemas concernentes à saúde mental que mais atingiram os trabalhadores foram: 1) 84% ansiedade; 2) 52% depressão; 3) 21% burnout; 4) 19% síndrome do pânico; 5) 9% estresse pós-traumático; e 6) 1% outro [5]. Uma outra informação preocupante é de que, pela tendência dos estudos científicos, a depressão será uma das doenças mais comuns em 2030, atingindo um número ainda maior de pessoas se comparada a outra doença, incluindo o câncer e as doenças cardíacas [6].

Bem por isso, tanto a OMS quanto a Organização Internacional do Trabalho (OIT) solicitaram ações efetivas para o combater os problemas de saúde mental no trabalho [7]. Isso porque, segundo as estimativas, todos os anos milhares de dias de trabalho são desperdiçados por conta da depressão e da ansiedade, além de custar muito dinheiro à economia global.

No ano de 2020, por exemplo, a concessão dos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez, oriundos de transtornos mentais e comportamentais, atingiram marcas recordes [8], passando de 213,2 mil, em 2019, para 285,2 mil em 2020, o que equivale um aumento de 33,7%.

De um lado, o Relatório Mundial de Saúde Mental da OMS [9], que foi publicado no mês de junho de 2022, apontou que no ano de 2019 cerca de um bilhão de pessoas conviviam com algum tipo de transtorno mental; lado outro, a OMS/OIT trazem algumas diretrizes para a prevenção e promoção da saúde mental [10].

Do ponto de vista normativo, a Constituição Federal do Brasil preceitua, em seu artigo 6º [11], a saúde como um direito social fundamental. Já o artigo 225 [12] da Carta Política assegura a todos um meio ambiente do trabalho saudável e equilibrado.

Já do ponto de vista internacional, a Convenção 155 [13] da OIT aborda as questões atinentes à segurança, à saúde dos trabalhadores e ao ambiente de trabalho. Frise-se, por oportuno, que a Convenção 155 traz, em seu artigo 3, que “o termo ‘saúde’, com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de afecções ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho”.

Logo, é imprescindível que as empresas tenham uma atenção especial para a prevenção com o meio ambiente do trabalho saudável, de modo a elidir os riscos à saúde mental. Nessa linha de raciocínio, oportunos são os ensinamentos de Alan Martinez Kozyreff e Mariana Ferruci Bega [14]:

“A preocupação com a saúde mental do trabalhador e consequentemente com sua dignidade humana e aplicação de direitos fundamentais já vinha sendo objeto de estudo pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho, no 5º Seminário Internacional do Programa do Trabalho Seguro11, oportunidade em que o médico norte-americano Casey Chosewood (coordenador do programa para a saúde total do trabalhador do NIOSH — National Institute for Occupational Safety and Health, dos Estados Unidos) apontou o crescimento de mortes no trabalho por suicídio e overdose de narcóticos.

(…). A responsabilidade da empresa em garantir o direito à saúde mental do trabalhador, através de um meio ambiente do trabalho equilibrado, está previsto no art. 225 da Constituição Federal, que prescreve que ‘todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações’. A saúde mental do trabalhador, se não cuidada, pode ensejar maior índice de acidente de trabalho”.

O Ministério Público Federal elaborou uma cartilha [15] referente ao Direito à Saúde Mental, na qual traz informações e reflexões importantíssimas sobre o assunto, inclusive orientando o(a) leitor(a) como lidar adequadamente ao se deparar com a pessoa com transtornos mentais [16].

De outro norte, o Ministério Público do Trabalho da 14ª Região possui algumas Notas Técnicas Conjuntas relacionadas a saúde mental no trabalho [17].

Ainda, o Conselho Nacional de Justiça lançou a cartilha “Saúde mental e trabalho no Poder Judiciário”, para uma melhor elucidação do tema, explicando o que é saúde mental e os fatores que favorecem o problema, além de exibir táticas sadias para prevenção e melhoria [18].

É certo que, com a pandemia, o mundo do trabalho sofreu fortes impactos, de sorte que o trabalho em home office passou a ser uma realidade presente no dia a dia dos trabalhadores. Não por outra razão que, segundo um levantamento da Internacional Stress Management Association, o Brasil é hoje o segundo país com mais casos da “Síndrome de Burnout”, superando países como Estados Unidos e Alemanha, estando atrás apenas do Japão [19]. E nada obstante a tal cenário, pesquisas apontam que as empresas ainda não adotam medidas preventivas e necessárias para impedir o desencadeamento do transtorno [20].

Sob esta perspectiva, o cultivo de bons hábitos torna-se imprescindível para a saúde mental. Por isso, a delimitação de horários para o desempenho das atividades, o direito à desconexão, alimentação saudável, prática de atividades físicas e momentos de lazer ao lado de familiares e amigos, tudo, em síntese, é fundamental para o bem-estar físico e mental.

Por isso, alguns procedimentos internos podem ser adotados pelas empresas, tais como o favorecimento de uma comunicação eficaz, além da demonstração de admiração e reconhecimento pelo trabalho desempenhado. A propósito, uma boa comunicação é primordial para a melhoria da atmosfera no ecossistema laboral, além de contribuir para o aumento da produtividade e da motivação por fomentar seus efeitos positivos.

Em arremate, é crucial que tanto o Estado como as empresas invistam em políticas para assegurar aos trabalhadores um meio ambiente do trabalho saudável e equilibrado, uma vez que não basta somente oferecer condições adequadas, mas também que possa ser proporcionado equilíbrio das necessidades humanas, aptas a garantir a tão almejada qualidade de vida no trabalho.

Notas

[1] Disponível em https://janeirobranco.com.br/. Acesso em 27/12/2022.
[2] Disponível em https://all.accor.com/pt-br/brasil/magazine/one-hour-one-day-one-week/janeiro-branco-um-mes-dedicado-a-saude-mental-8f974.shtml?gclid=EAIaIQobChMIrr3wtf2Z_AIViiZMCh239QG0EAAYASAAEgIZa_D_BwE. Acesso em 27/12/2022.
[3] Disponível em https://www.tst.jus.br/-/janeiro-branco-campanha-objetiva-conscientiza%C3%A7%C3%A3o-sobre-cuidados-com-a-sa%C3%BAde-mental. Acesso em 27/12/2022.
[4] Disponível em https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2022/setembro/na-america-latina-brasil-e-o-pais-com-maior-prevalencia-de-depressao. Acesso em 27/12/2022.
[5] Disponível em https://vocerh.abril.com.br/saude-mental/ansiedade-e-o-transtorno-mental-que-mais-atinge-os-profissionais/. Acesso em 27/12/2022.
[6] Disponível em https://www.sbcm.org.br/v2/index.php?catid=0&id=1317. Acesso em 27/12/2022.
[7] Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_857127/lang–pt/index.htm. Acesso em 27/12/2022.
[8] Disponível em https://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/id/27270562/pop_up#:~:text=O%20n%C3%BAmero%20de%20concess%C3%B5es%20passou,conjunto%20por%20empresas%20e%20trabalhadores. Acesso em 27/12/2022.
[9] Disponível em https://www.who.int/publications/i/item/9789240049338. Acesso em 27/12/2022.
[10] Disponível em https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—ed_protect/—protrav/—safework/documents/publication/wcms_856976.pdf. Acesso em 27/12/2022.
[11] Art. 6º — São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
[12] Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
[13] Disponível em https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—ed_norm/—normes/documents/normativeinstrument/wcms_c155_pt.htm. Acesso em 27/12/2022.
[14]Disponível em https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/181132/2020_kozyreff_alan_garantia_saude.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 27/12/2022.
[15] Disponível em http://www.cfess.org.br/arquivos/cartilha-saude-mental-2012.pdf. Acesso em 27/12/2022.
[16] Disponível em http://www.cfess.org.br/arquivos/cartilha-saude-mental-2012.pdf. Acesso em 27/12/2022.
[17] Disponível em https://www.prt14.mpt.mp.br/2-uncategorised/1017-saude-mental-no-trabalho. Acesso em 27/12/2022.
[18] Disponível em https://www.trt13.jus.br/informe-se/noticias/2019/09/trt-publica-cartilha-201csaude-mental-e-trabalho-no-poder-judiciario201d/cartilha-saude-mental-no-trabalho-cnj.pdf. Acesso em 27/12/2022.
[19] Disponível em https://www.istoedinheiro.com.br/brasil-e-o-segundo-pais-com-mais-casos-de-burnout-diz-levantamento/. Acesso em 27/12/2022.
[20] Disponível em https://startupi.com.br/pesquisa-aponta-que-86-das-empresas-nao-agem-para-impedir-sindrome-de-burnout/. Acesso em 27/12/2022.

Ricardo Calcini é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto “Prática Trabalhista” (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

Leandro Bocchi de Moraes é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da USP.