Quase todos promotores e procuradores do MP em Sergipe receberam salário maior do que ministro do STF

 

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(Por Mangue Jornalismo)

No Brasil, o maior salário de servidor público permitido pela Constituição Federal é o de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). O valor do chamado teto constitucional é de exatamente R$ 46.366,19 por mês. Nenhum funcionário público pode receber mais do que esse salário. Entretanto, em Sergipe, esse teto virou enfeite no próprio Judiciário e no Ministério Público.

Um levantamento publicado pela ONG Transparência Brasil apontou que quase todos os membros do Ministério Público em Sergipe, isto é, promotores e procuradores do MP, receberam acima do teto constitucional no ano passado. Os dados fazem parte do Projeto DadosJusBr, voltado à extração e à análise de contracheques do sistema de Justiça.

De acordo com o estudo, o salário bruto médio mensal dos integrantes do MP em Sergipe foi de R$ 60,8 mil, e o total de valores extra teto constitucional chegou a R$ 26,9 milhões em 2024. Importante, nessa soma não estão o 13º salário, o terço constitucional de férias e valores retroativos. Se adicionar essas parcelas, explicou a Transparência Brasil, o custo aos cofres públicos seria ainda maior.

Quem acompanha a Mangue Jornalismo já sabe que, em diversas ocasiões, foram publicadas várias reportagens revelando que a regra do teto constitucional para salário do funcionalismo público há muito é ignorada pelo Tribunal de Justiça, onde seus magistrados embolsam cifras milionárias todo mês em razão de inúmeros penduricalhos. Os dados de agora revelam que o mesmo ocorre no Ministério Público.

A pesquisa da Transparência Brasil analisou os contracheques de 11.656 mil membros do MP em 25 unidades (21 estaduais e quatro da União) que divulgaram dados nominais e completos de cada um dos promotores e procuradores em 2024. A organização pinçou os casos daqueles que receberam, no período de um ano, mais que o teto somado de R$ 525,7 mil. Os resultados, compilados a partir dos salários brutos, indicaram maior descontrole no Ministério Público dos estados do que os da União.

 

Teto constitucional é “decorativo”

O relatório define o teto constitucional como “decorativo”, já que 98% dos membros do Ministério Público em todo o país ultrapassaram o limite anual de remuneração, que deveria ter sido de R$ 525.744,64 em 2024. Entre os estados, Sergipe aparece no grupo das unidades onde a violação ao teto é quase total, ao lado do Amapá, Pernambuco e Espírito Santo — cada uma com apenas um membro dentro do limite.

Em dez estados (como Alagoas, Ceará, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Amazonas), todos os membros do MP receberam acima do teto. Ao todo, os pagamentos “extrateto” somaram R$ 2,3 bilhões no país, com 77% dos promotores e procuradores embolsando mais de R$ 100 mil acima do teto anual.

Segundo a Transparência Brasil, o principal fator por trás dos supersalários é a proliferação de benefícios indenizatórios — pagamentos que não se submetem ao teto. Entre eles estão as licenças compensatórias, gratificações por acúmulo de serviço e indenizações por férias não gozadas, que somaram R$ 687,4 milhões nos Ministérios Públicos estaduais em 2024.

Em abril do ano passado, a Mangue Jornalismo tratou de um dos penduricalhos que têm turbinado os salários dos promotores e procuradores do Ministério Público do Estado de Sergipe (MPSE). É o chamado auxílio-folga, criado pelo Colégio de Procuradores do MPSE em 2023 e que permite aos membros do órgão obter uma folga a cada três dias de trabalho, podendo acumulá-las até dez no mês. Caso não sejam tiradas, as folgas podem ser vendidas à instituição em forma de indenização correspondente a um terço do seu subsídio. Nem é preciso dizer que esse privilégio não se estende aos técnicos e analistas do mesmo MPSE. Em apenas três meses, a benesse custou quase R$ 4 milhões aos cofres do Estado. 

 

Sindicato avalia que o furo do teto aumenta a desigualdade

Na avaliação do Sindicato dos Trabalhadores Efetivos do Ministério Público de Sergipe (Sindsemp-SE), o cenário retratado no estudo mostra que “no Brasil se criou uma proteção excessiva a uma ínfima parcela do funcionalismo público”. A concessão dessas verbas, argumenta a entidade sindical, “distorce o princípio da eficiência da gestão da coisa pública e aumenta a desigualdade social nesse recorte da sociedade”. 

O sindicato informa que a atual gestão do MP sergipano tem implementado medidas para corrigir essas distorções das gestões anteriores, mas pondera que algumas barreiras orçamentárias “poderiam ser superadas mais facilmente se houvesse limitações a essas concessões”, sobretudo por parte dos órgãos fiscalizadores como Conselho Nacional do MP. 

“As verbas que ultrapassam o teto são aprovadas por meio de rubricas diversas das verbas remuneratórias. Essa ferramenta pode dar um ar de legalidade a elas, mas não deixa de comprometer parte significativa do orçamento como um todo, que poderia ser destinada à infraestrutura e valorização daqueles que constituem a base da instituição, que são os servidores públicos efetivos”, completou o sindicato em contato com a reportagem. 

Com exceção do Ministério Público Militar, todas as unidades do MP no Brasil analisadas pagaram salário bruto médio acima do teto constitucional, diz a Transparência Brasil. O Rio de Janeiro apresentou a maior média: R$ 76,2 mil. O estudo não considerou o MP de Santa Catarina e do Mato Grosso do Sul porque ambos ocultaram a divulgação de nomes e matrículas do contracheque dos membros. Já as unidades do Pará, Roraima e Tocantins não foram consideradas por não terem publicado dados completos.

Para a ONG Transparência Brasil, os dados obtidos expõem um paradoxo institucional: o Ministério Público, cuja principal atribuição é defender a legalidade e combater o desperdício de recursos públicos, figura entre os principais responsáveis por violar o teto salarial previsto na Constituição. A organização defende ser urgente a aprovação de uma lei nacional contra os supersalários, com definição precisa do que pode ou não ser pago como indenização.

Projeto amplo o rombo do teto e reforma não chegará nos supersalários

No estudo, sobram críticas também ao PL Nº 2721/2021, aprovado em votação simbólica na Câmara dos Deputados em 2021 e atualmente em tramitação no Senado. Um estudo anterior da organização apontou que a proposta turbinava gastos com remunerações acima do teto a juízes e desembargadores em vez de restringi-los. O texto classifica 32 benefícios como de natureza indenizatória – portanto imunes ao teto constitucional e, potencialmente, à incidência do imposto de renda. 

Destes benefícios, 19 são pagos atualmente a membros do Judiciário e custaram R$ 10,5 bilhões em 2024 e R$ 6,9 bilhões em 2023. Dos R$ 10,5 bilhões gastos em no ano passado pelo Judiciário, R$ 7,1 bilhões foram pagos em benefícios remuneratórios que são transformados, de maneira indevida, em indenizatórios pelo PL. “A má definição, no texto da proposta, do que constitui remuneração e indenização abre margem para manipulações na natureza de benefícios em favorecimento da elite do funcionalismo”, frisou a organização. 

A remuneração de servidores é um dos pontos centrais do projeto da reforma administrativa, apresentado neste mês pelo deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ). O texto propõe criar, em até dez anos, uma tabela remuneratória única em cada ente da federação, válida para todos os Poderes e órgãos autônomos. O piso será o salário mínimo, e o teto corresponderá ao limite constitucional. Dificilmente a reforma administrativa vai tocar no supersalários.

De acordo com o relator, a mudança busca acabar com distorções salariais entre carreiras equivalentes e com a multiplicação de gratificações e adicionais que hoje encarecem a folha de pagamento. O parlamentar diz que a tabela de remuneração é inegociável. Para barrar os supersalários, a ideia é colocar na lei a classificação correta de verba indenizatória, que deve ser uma remuneração de reparação, pontual e específica, e da verba remuneratória, vedando que os “penduricalhos” sejam criados por ato administrativo.

O projeto prevê ainda que servidores cuja remuneração ou subsídio seja igual ou superior a 90% do teto constitucional só poderão receber, no total, até 10% do salário em auxílios de alimentação, saúde e transporte.

MPs: recebimento acima do teto está amparado em lei

Procurado pela Mangue Jornalismo, o Ministério Público Federal afirmou que a Procuradoria da República em Sergipe não possui “ingerência na remuneração de membros”, já que a política remuneratória é definida a nível nacional, em Brasília. “De toda forma, os valores pagos seguem as normas do MPF, a partir de decisões do CNMP e do STF, e todas as informações estão disponíveis no nosso Portal da Transparência: https://transparencia.mpf.mp.br”, disse o MPF. 

O Ministério Público do Estado de Sergipe (MPSE), por sua vez, informou em nota que as informações sobre a remuneração de membros e servidores dos seus membros estão disponíveis no Portal da Transparência, em conformidade com a legislação vigente. Pontuou ainda que “todos os pagamentos realizados pelo MPSE observam rigorosamente os preceitos constitucionais, a legislação infraconstitucional e os atos normativos aplicáveis, inclusive no que se refere ao teto remuneratório”. 

Por fim, ressaltou: “O Ministério Público de Sergipe atua com responsabilidade e transparência na gestão de recursos públicos, pautando sua atuação pelos princípios da legalidade, moralidade e eficiência administrativa”. 

 

 

 

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