Alienação do trabalhador: um olhar histórico e sociológico

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A alienação do trabalhador é uma questão muito debatida dentro das Ciências Sociais, principalmente, no que diz respeito às suas consequências econômicas, sociais e psicológicas.

O termo em questão foi cunhado pelo sociólogo Karl Marx, mas desde então, já foi estudado por diversos outros intelectuais, tendo sido tanto elogiado, quanto criticado

Esse fenômeno social é de grande complexidade e, por isso, é necessário que seja analisado de modo crítico, sendo norteado tanto pelo viés histórico, quanto pelo viés sociológico.

Que tal aprender um pouco mais sobre a alienação do trabalhador no processo laboral? Vem com a gente que a Politize te explica!


O que é a alienação do trabalhador?
O conceito de alienação do trabalhador remete ao processo em que o trabalhador perde o controle sobre sua produção e não se reconhece mais em seu trabalho final. Tal afirmação significa dizer que o trabalhador não mais controla os meios de produção – como ocorria no trabalho artesanal – e, por isso, esse agora é reduzido a venda da sua força de trabalho.

Segundo a teoria marxista, quando o trabalhador tinha conhecimento sobre todos os processos de produção de um produto, ele tinha consciência de sua situação laboral. No entanto, com as fábricas e os meios de produção capitalista, esse trabalhador passou a ser substituído por processos maquinários e tratado apenas como “mão de obra“.

Assim, o trabalhador que não foi substituído pelas máquinas, é introduzido a atividades laborais cada vez mais específicas e repetitivas. Um artesão que antes exercia todos os processos na elaboração de um sapato, agora participa apenas do momento em que a “sola” do sapato é colada, por exemplo.

Contexto histórico em que o conceito foi desenvolvido
Para compreender o contexto histórico em que o conceito de alienação do trabalho foi desenvolvido é necessário voltar um pouco no passado, mais especificamente no momento da primeira Revolução Industrial, período em que ocorreram importantes mudanças no processo laboral.

Os trabalhadores que antes se dedicavam ao trabalho artesanal ou agrícola, adentraram nas recém criadas fábricas para vender sua força de trabalho. É nesse contexto que a dinâmica do trabalho começa a mudar drasticamente.

Com a nova divisão do trabalho, cada indivíduo dentro de uma fábrica exerce uma atividade bem definida e recorrente. O trabalhador não mais participa de todo o processo de produção, esse é agora apenas a mão de obra no exercício de um serviço. O artesão que não participa mais de todos os processos na produção de um calçado continua sendo um ótimo exemplo dessa situação.

O trabalhador passa a se dissociar de sua própria produção, já que esse não mais sabe o que produz, pois só participa de uma parte de um “todo” da produção. Por isso, a classe trabalhadora passa a desconsiderar a importância do seu trabalho, já que qualquer um pode realizar um serviço semelhante ao seu.

Todas essas mudanças nas relações sociais do trabalho ocasionam o surgimento dessa alienação do trabalhador. Em que o trabalhador perde o controle sobre sua produção e sobre o reconhecimento da importância de seu serviço.

Tipos de alienação do trabalhor
Todos os conceitos sociais são complexos, visto que estes tratam de compreender os seres humanos e as suas relações em comunidade. Assim, não seria diferente no que diz respeito a alienação do trabalho, pois essa possui diferentes ramificações. Podendo-se citar as seguintes: a alienação do produto do trabalho, a alienação do processo do trabalho, a alienação de si mesmo e a alienação dos outros.

 

Alienação do produto do trabalho
Essa alienação pode ser compreendida sociologicamente como o processo em que o trabalhador percebe ou reconhece que não possui o produto do seu trabalho. Isso significa dizer que, segundo a teoria marxista, o trabalhador está alienado do resultado do seu próprio esforço. O trabalhador torna-se alheio aos resultados do seu trabalho e, tampouco, reconhece a importância de sua força laboral.

O artesão que antes exercia todas as atividades na elaboração de um calçado se reconhecia em sua produção, pois ele podia, tanto ver o resultado da sua força de trabalho, quanto se reconhecer em cada etapa do processo de criação.

Em contrapartida, quando esse trabalhador passa a colar apenas o solado dos sapatos em uma fábrica, esse não mais se reconhece no seu produto final. Esse indivíduo não vê os resultados do seu trabalho, nem reconhece o valor técnico e laboral do seu serviço para elaborar aquele produto. O trabalhador torna-se alienado do produto do seu trabalho.

Alienação do processo do trabalho
Essa ramificação da alienação do trabalho diz respeito à falta de controle que o trabalhador tem sobre os meios de produção. Esse não mais pode utilizar de sua criatividade para desenvolver algo diferente das suas atribuições. A sua força laboral e intelectual é destinada apenas a uma atividade específica e repetitiva.

Desse modo, o trabalho torna-se uma atividade compulsória e de dominação, pois o trabalhador não controla o que produz, tampouco controla como produzir. Sua atividade é restrita a seguir comandos e desenvolver processos que chegam quase a ser maquinários.

Seguindo o exemplo anterior, o artesão que antes podia decidir como realizar cada processo do seu trabalho deixa de ter tal poder decisório. Este deve, agora, seguir regras e comandos estritamente, sua criatividade deixa de ser importante, dando lugar apenas a utilização de sua força física para exercer determinado comando.

Alienação de si mesmo

Esse processo é o que ocorre quando o indivíduo em questão percebe que seu trabalho nada mais acrescenta, pois qualquer outro pode realizá-lo também. O trabalho deixa de ser algo em que o ser humano pode expressar sua essência e passa a ser algo que nega justamente a sua humanidade.

Por ser tratado por ordens e comandos, o trabalhador deixa de exercer sua própria humanidade, ou seja, ele passa pelo processo de “coisificação”. No marxismo, o conceito de “coisificação” refere-se à redução de uma pessoa a um mero instrumento de produção. Isto é, sua subjetividade humana é minimizada para dar lugar à produção e ao lucro.

Então, o trabalhador passa a sentir-se estranho consigo mesmo e com sua humanidade, já que o trabalho realizado por ele não precisa do que lhe faz humano: o pensar. Em outras palavras, um artesão que antes precisava pensar em como realizar cada etapa do processo de criação de um calçado, não mais realiza essa atividade intelectiva quando está preso a alienação do trabalho.

Esse artesão deixa de se reconhecer no que produz e passa a viver em uma condição de alienação consigo mesmo, pois seu trabalho mais nada significa para si mesmo.


Alienação dos outros
Essa alienação do outro é justamente o resultado da perda do significado do trabalho. Como a atividade laboral passa a ser quase que “mecânica”, devido a sua repetitividade e divisão de funções, os trabalhadores passam a competir entre si. E a colaboração passa a ser deixada de lado, deixando uma grande fragmentação na solidariedade e na própria comunidade.

Dessa forma, os laços humanos passam a ser cortados à custa de se manterem trabalhando – para que possam continuar sobrevivendo. Então, quem antes era um colega de profissão passa agora a ser um “concorrente” na sua chance de emprego.

Nessa analogia, um artesão que produzia sapatos em um pequeno vilarejo não precisava se preocupar com competir com outros sapateiros em sua comunidade, pois ele era o único que dominava as técnicas necessárias para aquele trabalho. Ele era o único que sabia como exercer cada etapa do processo de produção de um sapato em sua comunidade e, por isso, não se preocupava com concorrência.

Porém, com a introdução das máquinas nas fábricas, não é mais necessário saber como acontece cada etapa da produção de um sapato, pois cada trabalhador, agora, participa apenas de uma etapa do processo. Assim, aquele artesão deixa de ter uma habilidade considerada única por sua comunidade, já que os sapatos passaram a ser produzidos em escalas industriais e a preços menores.

Impactos sociais, econômicos e psicológicos dessa alienação nos trabalhadores

As consequências da alienação do trabalho podem ser compreendidas de forma tridimensional, ou seja, essas podem ser analisadas pela ótica social, econômica e psicológica.

Impactos sociais
No âmbito social, é possível destacar diversas consequências da alienação do trabalhador. A primeira delas é justamente a fragmentação social, em que os indivíduos passam a se isolar um do outro na constante competição laboral. As relações humanas nessa perda da colaboração podem correr o sério risco de serem definidas apenas pelo individualismo e não mais pelo coletivismo.

A falta dessa solidariedade entre os trabalhadores pode afetar, consequentemente, a coesão social. O senso de propósito que cada trabalhador sente por seu trabalho também é perdido, já que esse não mais vê significado no que faz.

Além disso, a desigualdade social é um dos fatores mais alarmantes e evidentes dessa divisão do trabalho. Aqueles que controlam os meios de produção são justamente os que detêm o poder sobre o capital. Enquanto que a classe proletária é destinada a posições de subordinação e até mesmo de exploração.

Impactos econômicos
No setor econômico, pode-se observar consequências consideráveis dessa alienação vivenciada pelos trabalhadores em sua atividade laboral. Mesmo que o objetivo do mercado seja aumentar a produtividade e a eficácia dos trabalhadores, os moldes de sua divisão do trabalho podem não favorecer esses resultados.

A alienação do trabalho em atividades repetitivas e estritamente determinadas contribui para a desmotivação dos trabalhadores. Indivíduos que trabalham desmotivados, consequentemente, produzem menos ou com pouca qualidade. Isso recai novamente na questão da produtividade, tão cobrada pelos empregadores.

Esse cenário se torna um solo fértil para a diminuição da criatividade e da inovação, pois os trabalhadores não podem exercer atividades além do que lhe é ordenado. Esses fatores trazem resultados negativos para o setor econômico.

Impactos psicológicos
Para a saúde mental dos trabalhadores, essa alienação pode ser um agravante extremamente negativo, contribuindo para o surgimento de transtornos mentais, como a ansiedade e a depressão. Além destes, pode-se citar a burnout como uma das consequências mais comuns, fruto do cansaço mental e físico extremo.

Outros impactos também podem ser observados na autoestima e na imagem pessoal dos trabalhadores. Por estarem passando por um processo quase que de “desumanização”, esses indivíduos deixam de reconhecer a importância de sua própria existência.


Como a alienação do trabalhador tem se estabelecido na contemporaneidade: ?
Na Idade Contemporânea, a alienação do trabalhador apresenta tanto características novas quanto semelhantes às analisadas no período da Revolução Industrial. As relações de trabalho são dinâmicas e, por isso, estão em constante mudança, principalmente, com o advento das novas tecnologias.

O trabalho agora pode ser desenvolvido de casa (home office), sem vínculos trabalhistas (freelancer) e até mesmo por aplicativos de serviços (Uber). Essas são grandes inovações, mas ainda é possível observar traços de exploração, até mesmo quando propostas de “liberdade“ de trabalho são “vendidas.

Um exemplo disso é o processo de “uberização” do trabalho, em que as grandes empresas dizem que o trabalhador é seu próprio “chefe” quando, na verdade, não é bem isso. Os trabalhadores nesse sistema de emprego não possuem direitos trabalhistas e têm que estar dispostos a trabalhar por longas horas – além das oito horas de trabalho.

Para compreender essas e outras dinâmicas das relações de trabalho é necessário desenvolver um pensamento crítico para analisar cada uma de suas particularidades. Com uma mente aberta e disposta a aprender, é possível realizar análises profundas e sistêmicas dessas relações sociais.

Fonte: Politize!
Autor: Italo Henrique da Silva

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