A nova manobra do TJSE pode aumentar o auxílio-folga dos juízes sergipanos

Sem dar ouvidos à repercussão nacional provocada pelos supersalários da categoria dos magistrados em Sergipe, o Tribunal pretende eliminar o limite de 10 dias de folgas por mês e enfraquecer o controle sobre a farra de gastos.

Juízes supersalários

 

Na semana passada, o Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE) enviou à Assembleia Legislativa (ALESE) – em caráter de urgência – um projeto de lei complementar que, uma vez aprovado, abre caminho para ampliar os supersalários dos juízes e desembargadores, além de reduzir o controle público sobre despesas da magistratura.


Sob o argumento de “ajustes técnicos” e “adequação ao Programa Justiça 4.0” do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o PLP nº 14/2025 retira da lei a única limitação existente no pagamento do “auxílio-folga” e entrega ao próprio Tribunal a prerrogativa de definir, por ato interno, quantas folgas podem ser acumuladas e indenizadas.


Oficialmente batizado de licença compensatória, o penduricalho foi criado pela Resolução nº 10/2024 do TJSE e permite que, a cada três dias de trabalho extra, o juiz tenha direito a 1 dia de folga, limitado a 10 dias por mês. Caso não usufrua, o magistrado recebe automaticamente uma indenização em dinheiro, que corresponde a um terço do seu subsídio (entre R$ 11,3 mil para juízes substitutos e R$ 13,2 mil para desembargadores).


O auxílio-folga substituiu a antiga gratificação por acúmulo de acervo processual, que tinha natureza remuneratória e estava sujeita ao teto constitucional. O auxílio-folga, ao contrário, é tratada como verba indenizatória – o que significa que não entra no cálculo do teto, não sofre desconto previdenciário e nem incide no Imposto de Renda.


Desde que foi implantado, o benefício é pago no valor máximo, sem comprovação mensal de que os magistrados efetivamente trabalharam nos dias de folga. Um cálculo simples mostra a distorção da realidade: para acumular 10 folgas em um único mês, o juiz teria de trabalhar 30 dias consecutivos, o que exigiria meses de 40 dias e jornadas ininterruptas, inclusive em finais de semana, para justificar a conversão dessas folgas em indenização.


Como já mostraram para todo o país os jornais ‘O Globo’ e o ‘Estadão’, esses valores estão sendo pagos mesmo em períodos de feriados, férias e durante o recesso do TJSE. Ou seja, a gestão do Tribunal computa até mesmo dias de folga para multiplicar as folgas indenizáveis. Com o novo projeto de lei encaminhado ao Legislativo sergipano isso pode mudar – e para pior.


A proposta visa revogar a limitação de 10 dias mensais de licença compensatória, estabelecendo que o número de dias indenizáveis passará a ser definido por ato interno do próprio Tribunal, mediante proposta da Presidência e aprovação do Pleno. O projeto também substitui no texto legal a expressão “exercício cumulativo de cargos” por “exercício cumulativo de juízo” – uma alteração que a Presidência do TJSE justifica como “adequação de terminologia jurídica própria da magistratura”.


Em suas justificativas, o TJSE afirma que o PLP 14/2025 “não implica aumento de despesas” e busca “harmonizar o Código de Organização Judiciária com o modelo de gestão e produtividade recomendado pelo CNJ”. O Tribunal sustenta que as modificações visam apenas adequações técnicas e funcionais para garantir coerência ao regime de licença compensatória e ao “exercício cumulativo de jurisdição”, elementos considerados necessários para o pleno funcionamento dos Núcleos de Justiça 4.0.

O TJSE também mencionou que o texto busca adequação às resoluções nº 385/2021 e nº 398/2021 do CNJ. Essas normativas, entretanto, tratam exclusivamente da organização judiciária e da gestão de força de trabalho digital, não havendo nelas qualquer determinação sobre ampliação de licenças compensatórias. A Resolução 385, autoriza a criação de núcleos de justiça, com funcionamento totalmente digital e remoto. Já a Resolução 398 permite o uso núcleos em apoio às unidades jurisdicionais. Ambas, jamais tratam de remuneração ou de folgas.


No entanto, o Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário de Sergipe (Sindijus) avalia que o PLP tende a abrir caminho para novos aumentos de despesa com magistrados – e, mais grave, enfraquecer o controle externo sobre essas verbas. Para a entidade, ao retirar da lei o limite de dias mensais de licença compensatória e delegar ao próprio TJSE a definição do número máximo de folgas, a proposta entrega aos próprios beneficiários o poder de decidirem, sozinhos, “quanto vale” a sua indenização.


“O único parâmetro objetivo que restringia o gasto desaparece e a regulamentação passa a ser feita por proposta da Presidência, aprovada pelo Pleno do TJ”, pontua Jones Ribeiro, coordenador geral do Sindijus. “Na prática, isso significa que eventuais aumentos de despesa poderão ocorrer por ato interno, sem nenhuma apreciação da Assembleia Legislativa. Isso é gravíssimo!”


O dirigente lembra que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em recente julgamento do Procedimento de Controle Administrativo (PCA) nº 0000556-55.2025.2.00.0000, movido pelo Sindijus, ignorou os supersalários de juízes do TJSE que escandalizam o país, por considerar que o Tribunal local apenas ‘copiou’ o Ministério Público ao instituir o benefício.


Logo, diante do projeto enviado à ALESE, uma pergunta se faz: se o fundamento da legalidade do benefício está na simetria com o MP, este órgão também já eliminou o teto de 10 dias? Se não, estamos diante de uma mudança no Judiciário que desvirtua o equilíbrio constitucional entre as carreiras.


Caso os deputados estaduais aprovem o texto como está, o Legislativo estadual estará abrindo mão de sua competência constitucional para legislar sobre aumento de despesa e entregando esse poder ao próprio Tribunal de Justiça. “Trata-se de um esvaziamento do controle externo e de um risco concreto de aumento dos supersalários, em um momento que magistrados sergipanos já recebem acima do teto salarial e muitos contracheques ultrapassam R$ 100 mil por mês”, alerta a diretoria do Sindijus.

 

 

 

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