O colunista do UOL Carlos Madeiro publicou, nesta segunda-feira, 10 de março, reportagem em que denuncia uma votação do TJSE que deu aval ao pagamento retroativo de gratificação por acúmulo de acervo processual (já extinta no Estado) entre 2015 e 2024.
O requerimento analisado pelos desembargadores sergipanos foi apresentado pela Amase (Associação dos Magistrados de Sergipe) em agosto do ano passado e votado pelo Pleno do TJSE sem que fosse feito um cálculo do impacto orçamentário exato da medida. Um detalhe é que os valores serão pagos como indenização e não terá desconto de Imposto de Renda e Previdência.
Cálculos do Sindijus (Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário de Sergipe) apontam que o pagamento do benefício pode trazer um prejuízo de R$ 140 milhões aos cofres do Estado, em conta que não considera os valores de atualização monetária, 13º salário e abono de férias.
Esta é a quarta denúncia feita pelo Sindijus nesta campanha "justiça com olho grande apaga direitos" a ser alvo de reportagens por veículos da imprensa nacional. Na primeira, o jornal Folha de São Paulo dviulgou um levantamento do Sindicato sobre a quantidade de dias que os juízes de Sergipe trabalharão em 2025: serão 68 dias trabalhados ante 155 dias de folga, em conta que desconsidera os finais de semana e férias. (LEIA A REPORTAGEM AQUI)
Depois, o colunista do jornal O Globo, Lauro Jardim, revelou que todos os juízes do TJ de Sergipe receberam salários acima do teto em dezembro, que nos Estados é limitado a R$ 39 mil, cerca de 90% do subsídio mensal de um ministro do STF.. Do total, 81 juízes tiveram contracheques superiores a R$ 100 mil. Uma atualização na folha do TJSE realizada em fevereiro, mostrou que, na verdade, 113 magistrados tiveram contracheques superiores a R$ 100 mil naquele mês. (LEIA AQUI A REPORTAGEM).
A mesma coluna também mostrou, no dia 21 de fevereiro, que o TJ de Sergipe gastou R$ 19,9 milhões no pagamento de auxílio-folga para os juízes e desembargadores da Corte. O benefício, oficialmente chamado de licença-compensatória, permite que os magistrados tenham uma folga a cada três dias de trabalho. Essas folgas podem ser acumuladas em até dez dias no mês e, se não tiradas, podem ser vendidas ao TJSE na forma de indenização — que varia de R$ 11 mil a R$ 13 mil. (LEIA AQUI)
Veja a reportagem completa do UOL a seguir:
Sem saber valor, TJ-SE aprova 9 anos retroativos de gratificação já extinta
Por Carlos Madeiro
Em uma votação que durou 30 segundos —entre leitura, apreciação e proclamação do resultado—, o TJ-SE (Tribunal de Justiça de Sergipe) aprovou no último dia 12 de fevereiro um processo administrativo que determina o pagamento retroativo de gratificação por acúmulo de acervo processual (já extinta em Sergipe) referente ao período de 13 de janeiro de 2015 e 26 de fevereiro de 2024.
O processo foi apresentado pela Amase (Associação dos Magistrados de Sergipe) em agosto de 2024 e foi votado pelo pleno do órgão sem que fosse feito um cálculo do impacto orçamentário exato da medida. Um detalhe é que os valores serão pagos como indenização e não terá desconto de Imposto de Renda e Previdência.
"A natureza indenizatória do pagamento extemporâneo da verba pleiteada, porquanto visa a recompor o patrimônio dos magistrados lesados pela sua implementação tardia e em patamar inferior ao devido" - Acórdão do TJ-SE.
A decisão ainda manda que as parcelas sejam, além de corrigidas pela inflação do período, "acrescidas de juros de mora legais." Em nota, o TJ-SE afirma que o reajuste foi autorizado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e será pago de forma parcelada, de acordo com disponibilidade financeira (leia a íntegra abaixo).
Gratificação extinta
A gratificação por acúmulo de acervo já está extinta em Sergipe: no seu lugar foi criada, por uma Lei Complementar do dia 23 de fevereiro de 2024, a "licença compensatória aos magistrados", que prevê 10 dias de folga ou indenizada para os casos de:
- Acumulação de acervo de processos e procedimentos
- exercício cumulativo de cargos
- Acumulação de atividades administrativas e finalísticas extraordinárias
- Exercício de função relevante singular, ainda que em exclusividade
- Plantões
O acúmulo de acervo, a qual se refere o processo, leva em conta ao número elevado de processos judiciais, extrajudiciais ou administrativos que um magistrado é responsável, o que resultaria em uma sobrecarga de trabalho. Em 2020, uma recomendação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) incentivou a regulamentação do pagamento da gratificação pelos tribunais estaduais.
O processo de Sergipe é similar ao aprovado (em 24 segundos) pelo TJ-PB, no último dia 26, que prevê o pagamento total de R$ 234 milhões retroativos aos magistrados pela omissão da gratificação no período entre 2015 e 2022.
Sem valor definido
A coluna teve acesso ao processo e percebeu que o cálculo do valor total que o retroativo vai custar não foi feito porque houve uma escolha pela celeridade na aprovação. Em 29 de novembro, o processo foi encaminhado pela Presidência do TJ-SE para a Divisão de Pagamento e Registro "para apresentação dos respectivos cálculos".
Entretanto, no dia 19 de dezembro, em um pedido "urgente", a Amase alegou que a ideia de fazer os cálculos "não se apresenta adequada para atual fase processual". "A medida, todavia, traz o custo de retardar para além do prazo legal a apreciação do direito exposto", diz o documento.
Segundo cálculos feitos pelo Sindijus (Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário de Sergipe), o impacto dessa indenização será de pelo menos R$ 140 milhões, fora valores de atualização monetária, 13º salário e abono de férias. Para chegar ao valor, o sindicato calculou o subsídio pago aos magistrados e aplicou os respectivos percentuais nos períodos especificados.
Todos vão receber
A decisão unânime do pleno definiu que têm direito ao valor "todos os juízes e desembargadores do TJ-SE, ativos e inativos, que estavam em exercício no período entre 13 de janeiro de 2015 e 26 de fevereiro de 2024, bem como os respectivos pensionistas, ao recebimento retroativo."
O valor a ser calculado terá duas divisões:
- A primeira referente às parcelas entre 13 de janeiro de 2015 (data da publicação das Leis nº 13.093 e 13.095) até 31 de dezembro de 2019 (dia anterior ao início do pagamento da gratificação aos magistrados sergipanos). Nesse caso, o valor deve ser de 1/3 do subsídio, levando em conta férias e 13º salário.
- A segunda parte deve ser equivalente a 15% do subsídio entre 1º de janeiro de 2020 e 26 de fevereiro de 2024 (data da publicação de Lei Complementar Estadual que criou a licença compensatória e extinguiu a gratificação de acervo). Para a Amase, o valor pago foi abaixo do teto (de 1/3 do salário) e deve ser compensado agora.
As leis citadas na primeira referência são as que criaram essas mesmas gratificações para juízes federais e do Trabalho, e que se tornaram referência para os demais tribunais do país.
Em outro ponto do acórdão, o TJ-SE declara "natureza indenizatória dos valores retroativos, devendo ser excluída qualquer incidência de imposto de renda, contribuição previdenciária ou outras retenções tributárias."
"Como [esse abono] foi criado como gratificação, ele tem natureza remuneratória. Sendo que se eles recebessem um terço a mais no salário, passariam do teto do STF e seria necessário o abate do valor a mais. A decisão do pleno utiliza a estratégia ao dizer que é uma verba indenizatória para evitar esse pagamento do imposto de renda", diz o coordenador geral do Sindijus, Jones Ribeiro.
Procurado, o TJ-SE enviou nota —que não informa o valor a ser gasto com o benefício. Veja a íntegra:
"A Presidência do TJ-SE informa que o reconhecimento, pelo Pleno do TJ-SE, do direito à gratificação por acúmulo de acervo processual a partir da data da sua concessão à magistratura federal decorre do caráter nacional da magistratura.
A aprovação do direito ao pagamento retroativo baseia-se nas Leis Federais n° 13.093/2015 e 13.095/2015, que instituíram a gratificação para os juízes federais e trabalhistas.
No TJ-SE, o referido pagamento será efetivado de forma parcelada, de acordo com os limites financeiro-orçamentários, com o objetivo de equalização dos passivos a serem quitados pelo TJ-SE.
No dia 12/02/25, por meio do Pedido de Providências 0000818-05.2025.2.00.0000, a Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ autorizou o pagamento da referida verba aos magistrados do TJ-SE, conforme posição já adotada para outros tribunais".