Para os dirigentes do Sindisan, as demissões na Deso vão produzir vários impactos pessoais e coletivos
Autor: Cristian Góes
Fonte: Mangue JornalismoDemissões já são de 585 trabalhadores da Deso pós privatização (Foto George Washington)
Não demorou. Menos de 40 dias depois de ter entrado para a história de Sergipe como o governador que privatizou a água e vendeu a Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso), Fábio Mitidieri (PSD) deve confirmar a demissão dos primeiros 585 trabalhadores efetivos da empresa.
“Foi e tem sido uma pressão absurda sobre os empregados dos dois últimos concursos públicos, uma pressão para que esse pessoal qualificado com nove, dez, 15 anos de empresa aderisse ao Programa de Demissão Voluntária (PDV). A turma, com medo de ser demitida mais na frente sem receber os direitos, resolveu aderir”, conta Sérgio Passos, um dos empregados que entrou no PDV.
O plano de demissão foi concluído na sexta-feira, dia 11, com adesão de 352 trabalhadores efetivos. Somados aos 233 que, em março último, aderiram à cláusula de indenização por desligamento voluntário da empresa, prevista no Acordo Coletivo de Trabalho, estão deixando os quadros da Deso 585 funcionários.
“Essa demissão a partir do PDV é o ápice da política de terror implementada dentro da Deso desde janeiro de 2023, quando Fábio Miditieri assumiu como governador e passou a tocar com mãos de ferro seu modelo de gestão neoliberal e privatista”, avalia Sílvio Sá, presidente do sindicato dos trabalhadores em saneamento básico do estado de Sergipe (Sindisan).
Em 4 de setembro deste ano, a água em Sergipe foi privatizada e a Deso, um dos maiores patrimônios públicos do estado, foi vendida pelo governador e seus aliados em uma sessão festiva numa bolsa de valores em São Paulo.
Mesmo com a privatização com indícios de irregularidades e com ações judiciais ainda tramitando, a Deso foi entregue para a empresa privada Iguá Saneamento por R$ 4,5 bilhões, controlada por fundos de investimentos estrangeiros, especialmente do Canadá.
A Mangue Jornalismo acompanhou todos os passos da privatização da água e a venda da Deso. Foram várias reportagens e a produção e distribuição gratuita do e-book “Água, um direito humano essencial não pode ser privatizado”. A publicação tem download gratuito e foi apoiada pelas leitoras e leitores da Mangue. Baixe aqui.
“Governador deve estar muito satisfeito com essa demissão em massa”
“Certamente, o governador, por seu perfil neoliberal e privatista, deve estar muito satisfeito com essa demissão em massa de trabalhadores da Deso, que era tudo o que ele queria: vender parte dos serviços da Companhia e demitir parte dos seus trabalhadores”, critica Aécio Ferreira, secretário-geral do Sindisan.
Ainda segundo Aécio, não se pode assegurar que os 352 funcionários que aderiram ao PDV o fizeram por voluntarismo. O sindicalista reforça uma enorme pressão psicológica sofrida pelos trabalhadores dentro da companhia ante a ameaça de demissão que vinha sendo disseminada internamente e em entrevistas nos vários veículos da imprensa, após a privatização parcial da empresa, e que certamente contribuiu para a decisão de muitos pela adesão.
“Ouvia-se muito nos corredores da empresa o temor de companheiros e companheiras com o que estava por vir, principalmente o pessoal da área comercial e de esgotos, setores que serão assumidos pela Iguá Saneamento. Muitos trabalhadores efetivos essenciais para a Companhia aderiram por medo de demissão futura e de terem perdas financeiras”, afirma Aécio. Para Sérgio Passos, a demissão desse empregados terá impactos na vidas deles, em suas família, nos serviços da Deso e na sociedade de modo geral. “Tenho 38 anos de empresa e já tinha tempo de me aposentar, aproveitei o PDV para antecipar, mas sou uma exceção, a maioria está pedindo demissão pressionada. Infelizmente a Deso, que era o maior patrimônio público, ou seja, do povo sergipano, vai se transformar numa micro empresa à serviço do capital internacional”, avalia.
Impactos na qualidade do serviço e na economia
Para os dirigentes do Sindisan, as demissões na Deso vão produzir vários impactos pessoais e coletivos. Por exemplo, com a saída dessa grande quantidade de mão de obra qualificada e experiente da empresa, o reflexo deve ser o comprometimento da qualidade dos serviços prestados pela empresa.
Outro forte impacto com a demissão desses trabalhadores será verificado na economia local. Análise técnica encomendada ao economista Luiz Moura, ex-supervisor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), revela que, levando em consideração a média salarial dos trabalhadores da Deso que devem ser demitidos (cerca de 1000), deve ocorrer um impacto negativo mensal direto na economia do estado de R$ 13,2 milhões, sendo R$ 11,6 milhões em relação aos salários dos demitidos e R$ 1,6 milhão em relação aos tickets alimentação a que eles têm direito.
“Em cima dessa análise, fazendo-se os cálculos sobre a demissão de 585 trabalhadores, chega-se ao montante de R$ 8,287 milhões mensais a menos circulando na economia do nosso estado. Isso perfaz R$ 99,45 milhões anuais a menos na nossa economia”, projeta Aécio a partir dos dados do estudo do economista Luiz Moura.
“Gostaríamos de saber de empresários e lojistas de Sergipe o que eles acham desse números, porque, para o governador, parece que isso pouco importa. E tudo isso sem levar em consideração que está previsto, ainda, a demissão de cerca de dois mil trabalhadores terceirizados da Deso nas atividades fins, o que também impactará negativamente a economia sergipana”, aponta Aécio Ferreira.
Para o sindicalista, nunca é demais lembrar do saudoso empresário sergipano Oviêdo Teixeira, quando da sua atuação como membro do Conselho de Administração da Deso, à época, manifestou-se reiteradamente contrário à privatização da companhia. O conselheiro argumentava que a privatização da então Energipe (hoje Energisa) resultou na perda de muitos clientes em seus próprios empreendimentos, evidenciando a função de indutor do desenvolvimento econômico local desempenhada pelas empresas estatais. (Com informações do Sindisan).
Sem respostas da Deso
Desde o início da tarde de terça-feira, dia 15, a Mangue Jornalismo buscou a Deso para se manifestar sobre as demissões dos trabalhadores através do PDV e os impactos, mas até o fechamento desta reportagem às 10 horas desta quinta-feira, dia 17, a empresa não retornou. Caso chegue alguma manifestação da Deso, ela será publicada atualizando essa reportagem.