A jornada de trabalho de quatro dias é o futuro do trabalho?

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A mudança para uma jornada de trabalho de quatro dias, em vez de cinco, vem ganhando força como forma de oferecer aos trabalhadores mais tempo para descanso, lazer e desenvolvimento profissional. Ao contrário do senso comum, a redução da carga horária não se traduz em perda de produtividade.

Uma pesquisa da Associação Islandesa de Sustentabilidade e Democracia, em parceria com o grupo de estudos Autonomy do Reino Unido, sugere que a redução da jornada de trabalho pode gerar resultados como: aumento da produtividade, diminuição do estresse e melhora no bem-estar dos trabalhadores.


Mas será que funciona na prática?

Ainda é cedo para afirmar com certeza se a semana de quatro dias é uma solução viável para todos os setores da economia. Nossa equipe investigou essa questão e produziu um texto que analisa os prós e contras da medida, além de apresentar exemplos de empresas que já a implementaram com sucesso.

 

Origem do novo regime de trabalho

Um programa piloto realizado no Reino Unido colocou em destaque o modelo de semana de trabalho de quatro dias. A iniciativa foi liderada pela “4 Day Week Global”, uma comunidade sem fins lucrativos que realiza estudos globais sobre carga horária reduzida, em colaboração com a campanha “4 Day Week UK” e a organização de pesquisa “Autonomy”.

O objetivo do experimento era analisar indicadores como estresse no trabalho, equilíbrio entre vida pessoal e profissional, resultados financeiros e turnover (rotatividade de funcionários). O estudo se desenrolou entre julho e dezembro de 2022.

As empresas participantes relataram um aumento médio de 35% na receita durante o período de teste. Além disso, 92% das empresas optaram por continuar com o modelo de semana de trabalho de quatro dias após o término do estudo. Esses resultados evidenciam a viabilidade e os benefícios tangíveis deste modelo de trabalho, tanto para os funcionários quanto para as empresas.

O que é a ”4 Day Week Global”?

Fundada por Andrew Barnes e Charlotte Lockhart, a 4 Day Week Global é uma organização sem fins lucrativos que tem como objetivo auxiliar indivíduos e empresas na implementação da semana de trabalho de quatro dias. A 4 Day Week Global conta com parcerias de peso, como a Universidade de Cambridge, o Boston College e o Centro de Pesquisa de Bem-estar da Universidade de Oxford. Essas colaborações garantem suporte científico e expertise na criação de programas piloto.


Como surgiu a jornada de 5 dias e 8 horas?

A forma como concebemos o trabalho hoje tem suas raízes nos Estados Unidos, no início do século XX. Em 1910, a fábrica têxtil New England Cotton Mill, em Massachusetts, foi pioneira na implementação de uma semana de trabalho de 5 dias para seus funcionários judeus, permitindo-lhes observar o Shabat (sábado), dia sagrado do judaísmo.

A ideia se espalhou e, em 1926, Henry Ford tornou-se conhecido por fechar suas fábricas aos sábados e domingos. Foi nesse período que Ford também estabeleceu o conceito de uma jornada de trabalho ideal, estipulando 40 horas semanais.

Embora a jornada de trabalho de 5 dias e 8 horas tenha sido um marco histórico em seu momento, o mundo do trabalho passou por significativas transformações desde então. A automação e os avanços tecnológicos, por exemplo, permitem que muitas tarefas sejam realizadas em menos tempo do que antes.

Diante disso, surge a pergunta: por que os horários de trabalho não se ajustaram a essa nova realidade? A semana de 5 dias e 8 horas ainda é adequada para o mundo de hoje? Para muitas pessoas, a resposta é não. A carga de trabalho excessiva, o tempo de deslocamento e as demandas da vida pessoal podem levar a um sentimento de sobrecarga e esgotamento.

No mundo moderno, a sensação de que o tempo é escasso e o trabalho toma conta da vida é cada vez mais comum. Entre as demandas profissionais, cuidados com a família, tarefas domésticas e a busca por bem-estar físico e mental, o tempo livre parece um luxo distante. Essa sobrecarga de trabalho, quando constante, pode levar ao estresse crônico e, consequentemente, a problemas de saúde física e mental.

Por muito tempo, o trabalho foi visto como a principal função do ser humano, e a busca pelo sucesso material, muitas vezes atrelada à valorização do trabalho árduo, contribuiu para um modelo de trabalho exaustivo e prejudicial à saúde.

Nos últimos anos, porém, a busca por um equilíbrio entre vida profissional e pessoal se tornou cada vez mais presente. A saúde mental também ganhou mais importância nas discussões sobre o bem-estar. Nesse contexto, a semana de trabalho de quatro dias surge como uma alternativa promissora para atender a essas demandas.

Com menos horas dedicadas ao trabalho, os colaboradores teriam mais tempo livre para descanso, lazer, atividades de desenvolvimento pessoal e momentos com a família, promovendo o bem-estar geral e a qualidade de vida.


Como funciona a jornada de trabalho de quatro dias?

A semana de quatro dias é um modelo de trabalho no qual os funcionários trabalham por quatro dias na semana e têm três dias de folga. O modelo 100-80-100 propõe que os funcionários recebam 100% do salário, trabalhem 80% do tempo (quatro dias) e mantenham 100% da produtividade.

Para compensar a folga, os funcionários podem trabalhar mais horas por dia. Esse modelo pode variar de empresa para empresa, mas o objetivo central é proporcionar mais tempo para descanso, lazer e atividades pessoais, sem comprometer a produtividade no trabalho.

A jornada de quatro dias já é realidade em algumas empresas do Reino Unido, Islândia, Suécia, Estados Unidos e Portugal. Agora, essa prática também começou a ser testada no Brasil em 2023.

Experimento da semana de quatro dias no Brasil

Em 2023, a ideia de reduzir a semana de trabalho ganhou destaque no Brasil com o trabalho de duas organizações: a “4 Day Week” e a “Reconnect Happiness at Work”, empresa brasileira especializada em felicidade corporativa e liderança positiva.

Renata Rivetti, diretora da Reconnect, destaca que o principal objetivo deste novo modelo de trabalho é aumentar a produtividade. Para isso, foi realizado um experimento cuidadosamente planejado, seguido de análises após três meses de implementação e ao término do período piloto.

Exemplos de sucesso

A Vockan, empresa brasileira de sistemas de gestão, aderiu à semana de quatro dias em novembro de 2022. O CEO, Fabricio Oliveira, observou o sucesso da tendência em outros países e implementou a medida. Com impacto positivo na produtividade e na reputação da empresa, a Vockan hoje possui taxa de rotatividade de funcionários zero.

Além disso, a Zee.Dog , marca de produtos pet, adotou a jornada de quatro dias em março de 2020. O objetivo era melhorar a qualidade de vida e a eficiência dos colaboradores nas sedes de São Paulo, Rio de Janeiro, Madrid (Espanha) e Shenzhen (China).

Menos trabalho, vida melhor? Confira os benefícios da semana de quatro dias

Saúde emocional

É cada vez mais comum ouvir reclamações de pessoas que adoeceram devido à sobrecarga no trabalho: ansiedade, burnout, pressão excessiva e desmotivação são apenas alguns dos problemas frequentemente relatados. Essa realidade é confirmada por uma pesquisa conduzida pela empresa de consultoria McKinsey, que entrevistou 15 mil funcionários em 15 países.

Estudo aponta que a sobrecarga no trabalho é um fator de risco para doenças mentais. Foto: Reprodução/ Freepik.
Segundo os resultados, 59% das pessoas enfrentaram ou estão enfrentando desafios relacionados à saúde mental. Além disso, o estudo destaca a relação entre bem-estar emocional e desempenho profissional. Funcionários que enfrentam desafios relacionados à saúde mental têm quatro vezes mais chances de deixar a empresa e o dobro de chances de estarem desmotivados no trabalho.

Equilíbrio entre vida pessoal e profissional

O novo modelo de trabalho proporciona uma maior qualidade de vida, permitindo que os funcionários dediquem mais tempo às suas famílias e interesses pessoais, criando harmonia entre trabalho e vida fora do escritório. Além disso, os trabalhadores têm a oportunidade de investir em seu desenvolvimento profissional, o que contribui para o crescimento pessoal e profissional dos indivíduos.

Aumento da produtividade

A diretora da Reconnect destaca que um dos principais desafios enfrentados no Brasil é desmistificar a crença de que a produtividade está atrelada ao número de horas trabalhadas. O objetivo agora é ser mais produtivo durante o tempo disponível, o que pode reduzir a procrastinação e resultar em uma execução mais eficaz das atividades profissionais.

Um dos pontos-chave nesse processo é questionar a necessidade de atividades que consomem tempo de forma improdutiva, como reuniões longas e desnecessárias. Repensar a cultura das reuniões é fundamental para garantir que elas sejam realmente eficazes. Ao otimizar a duração das reuniões, as empresas podem torná-las mais eficientes e até mesmo reduzir ou transferir para o formato virtual.

Engajamento em alta

Com mais tempo livre, os trabalhadores retornam ao trabalho mais motivados e focados, o que contribui para um ambiente de trabalho mais saudavél e produtivo. Além disso, esse modelo de trabalho pode ser um diferencial crucial para preservar talentos dentro da empresa. As políticas que promovem o equilíbrio entre vida profissional e pessoal são cada vez mais valorizadas pelos profissionais.

Por fim, os funcionários tendem a faltar menos ao trabalho devido ao aumento da satisfação e motivação, resultando em uma redução no número de faltas injustificadas, o que traz benefícios tanto para os funcionários quanto para os empregadores.

Exemplos de países que adotaram esse modelo

Reino Unido
No Reino Unido, cerca de 60 empresas participaram do experimento da organização ”4 Day Week”, testando a semana de trabalho de quatro dias ao longo de seis meses. Os resultados revelaram que, mesmo com um dia a menos, a produtividade dos colaboradores foi mantida e houve melhorias em comparação com a jornada de cinco dias. Ademais, tanto a remuneração quanto os benefícios permaneceram inalterados.

Resultados do experimento no Reino Unido:

  • A maioria das empresas participantes (92%) optou por manter o formato de trabalho após os testes;
  • Houve um aumento médio de 35% na receita em comparação com o período anterior entre essas empresas;
  • 90% dos funcionários expressaram o desejo de continuar trabalhando apenas quatro dias. Entre esses funcionários, 15% afirmaram que nenhum dinheiro seria suficiente para aceitar voltar ao expediente de cinco dias;
  • Além disso, 39% dos trabalhadores relataram sentir-se menos estressados;
  • Houve uma redução de sintomas de burnout em 71% dos participantes;
  • 54% acharam mais fácil conciliar vida pessoal e profissional.

    Islândia

Entre 2015 e 2019, a Islândia protagonizou o maior piloto do mundo de redução da jornada semanal de trabalho. O projeto, que envolveu cerca de 2,5 mil pessoas, teve um resultado positivo: a produtividade na maioria dos locais de trabalho se manteve estável ou até mesmo melhorou. Além disso, o estudo revelou impactos positivos no bem-estar dos trabalhadores. Consequentemente, 86% da força de trabalho alterou suas escalas para trabalhar menos horas, sem redução nos salários.

Japão
Em agosto de 2019, a Microsoft Japão conduziu um experimento de um mês, implementando uma semana de trabalho de quatro dias para 2.300 funcionários. Durante o experimento, os funcionários desfrutaram de todas as sextas-feiras de folga, resultando em um fim de semana prolongado de três dias.

  • A produtividade aumentou em 40% durante o período do experimento;
  • Os dados mostraram que os funcionários tiraram 25,4% menos dias de folga, imprimiram 58,7% menos páginas e consumiram 23,1% menos eletricidade no escritório;
  • Ao final do experimento, em agosto de 2019, uma pesquisa revelou que 92,1% dos funcionários aprovaram a semana de trabalho de quatro dias.


Desafios na implementação da semana de quatro dias

A jornada de trabalho de quatro dias surge como uma alternativa promissora para o equilíbrio entre vida profissional e pessoal. No entanto, sua implementação exige planejamento e avaliação crítica. A experiência da startup Treehouse ilustra a necessidade de adaptação às particularidades de cada setor. Após uma década com a semana de quatro dias, a empresa retornou ao modelo tradicional, citando a forte concorrência como um dos motivos.

Em áreas como varejo, saúde e serviços essenciais, a jornada de quatro dias enfrenta desafios:

  • Demandas contínuas: a natureza dos serviços exige cobertura constante, podendo levar à necessidade de aumentar a força de trabalho;
  • Ajustes na escala de trabalho: a redistribuição das horas trabalhadas requer planejamento para garantir o bom funcionamento dos serviços;
  • Custos adicionais: a contratação de novos funcionários e a adaptação da infraestrutura podem gerar custos extras.
  • Na área da saúde, por exemplo, a implementação da nova jornada exigiria o aumento da equipe médica e de enfermagem. Afinal, a assistência à saúde não pode parar e é crucial garantir que haja profissionais qualificados para atender os pacientes em todos os dias da semana.
  • Setores como restaurantes, hotéis e varejo também enfrentam desafios. Nesses casos, é necessário um planejamento meticuloso das escalas de trabalho, garantindo que o atendimento ao cliente em todos os dias de funcionamento, isso pode significar a contratação de mais funcionários.


A viabilidade da semana de quatro dias depende da análise das características de cada setor e empresa. É fundamental considerar as necessidades específicas e os desafios a serem superados para garantir uma implementação eficaz e sustentável.

Um futuro com menos horas de trabalho? Considerações sobre o futuro do trabalho

Na Europa, a jornada diária de trabalho varia de 6 a 7 horas, enquanto nos Estados Unidos e no Brasil é em torno de 8 horas. Especialistas indicam que no Brasil, é provável que sejam feitas reduções na jornada diária antes de uma transição completa para uma semana mais curta, como ocorre na Europa.

Especialistas apontam que o modelo híbrido de trabalho, com esquemas remoto e presencial, pode ser um primeiro passo para essa mudança. A pandemia da Covid-19 acelerou a necessidade de novas formas de organização do trabalho, e o home office se consolidou como uma alternativa viável para muitos setores.

A busca por maior flexibilidade entre os trabalhadores impulsiona uma transformação no panorama do trabalho. Apesar da empolgação, especialistas alertam para os desafios e a necessidade de uma implementação gradual e que leve em conta diversos fatores. Estudiosos do tema levantam pontos cruciais a serem considerados para a implementação desse novo modelo.

O diretor de recrutamento da Robert Half destaca a necessidade de revisão das leis trabalhistas para adequá-las à nova jornada e a reavaliação dos critérios de desempenho. Novos indicadores de produtividade que considerem a qualidade e a eficiência do trabalho são essenciais para garantir o sucesso do modelo.

O especialista também destaca a importância do pioneirismo das empresas na adoção do novo modelo, ressaltando que incentivos e políticas públicas podem viabilizar a mudança em larga escala.

Os especialistas identificam desafios como a necessidade de maior especialização técnica, responsabilidade e comunicação eficaz na implementação da semana de quatro dias. A participação ativa dos departamentos de Recursos Humanos e dos gestores é crucial para administrar com sucesso esse novo modelo de trabalho. Estratégias de desenvolvimento, como treinamentos e adaptações na cultura organizacional são fundamentais para garantir a produtividade nesse novo formato.

Os resultados da pesquisa abrem caminho para uma discussão importante sobre o futuro do trabalho. Será que a redução da jornada de trabalho pode se tornar uma realidade em diferentes setores da economia? Os benefícios para empresas e trabalhadores são inegáveis, mas desafios como adaptação da cultura organizacional e custos adicionais ainda precisam ser considerados.


Fonte: Politize!
Autor: Ana Lívia Menezes


 

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