Criação de Juizado de Violência Doméstica causa incertezas e sobrecarga de processos entre servidores do TJSE

Transformação da 9ª Vara Criminal em Juizado de Violência Doméstica ocorreu em meio a falta de comunicação, treinamento e adaptação do espaço

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Placa de instalação do mais novo Juizado da Comarca de Aracaju 

A explosão do número de denúncias dos casos de violência doméstica envolvendo a questão de gênero em Sergipe forçou o Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE) a ampliar seu atendimento para dar conta dos milhares de processos e medidas protetivas. Em 2023 foram registradas 5.149 medidas protetivas no estado de Sergipe, quase o dobro de 2022, quando foram deferidas 2.920. 

Foi a partir desta realidade que, no último dia 12 de agosto, o Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE) deu início às atividades do 2° Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Aracaju.

Criado pela Lei Complementar Estadual nº 418/2024, o mais novo juizado da comarca de Aracaju, que funciona onde antes estava localizada a 9ª Vara Criminal, não recebeu reforços em recursos humanos, não teve nenhuma adaptação estrutural, e, sequer, seus servidores passaram por qualquer treinamento para o atendimento especializado.

A falta de comunicação do tribunal na transformação, tem causado incertezas e preocupações entre os servidores e servidoras que trabalham em quatro diferentes varas criminais alocadas no Fórum Gumersindo Bessa.

Com a mudança inesperada, todos os processos da 9ª Vara Criminal foram distribuídos entre a 1ª, 2ª e 3ª Varas Criminais. Essas transferências criaram um efeito cascata que deve interferir diretamente nos prazos e na produtividade onde tramitam esses processos criminais.

Na lei complementar promulgada pelo governador Fábio Mitidieri no início deste mês, ficou definido que “todos os feitos da então 9ª Vara Criminal da Comarca de Aracaju devem ser redistribuídos para as Varas Criminais Comuns da Comarca, de acordo com ato da Presidência do Tribunal de Justiça.”

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Estante com processo encaminhado pela  9ª Vara Criminal

 

Por sua vez, a lei determina que a distribuição dos novos processos sobre violência doméstica “deve se dar de forma prioritária ao 2º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, até que seja atingido o número correspondente à média de processos ajuizados nos últimos doze meses do então Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, ressalvados os casos de vinculação legal e observadas as regras objetivas estabelecidas por ato da Presidência do Tribunal de Justiça”.

O Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário de Sergipe (Sindijus) esteve nas varas criminais e nos juizados conversando com os servidores e servidoras para ouvir quais os efeitos dessas mudanças em seu dia-a-dia e na prestação de seu serviço público.

 

Sobrecarga e solidariedade com os demais

No dia da visita ao Fórum Gumersindo Bessa, a comunicação do Sindijus constatou que havia 2.172 processos em andamento no gabinete do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Aracaju.

Luciana Nunes Oliveira, técnica judiciária que trabalha no 1º Juizado de Violência Doméstica, explica que o crescimento da demanda neste Juizado tem sido alertado ao TJSE por seus servidores há anos. “Os servidores vêm alertando a necessidade da criação de mais juizados. Há um acúmulo de trabalho. Essa sobrecarga gera ansiedade com a cobrança de relatórios trimestrais da corregedoria. É sobre-humano, cada técnico trabalha com mais de 500 processos.”

Os estudos que concluíram pela criação do novo juizado direcionado ao atendimento de violência doméstica já vinham sendo apresentados pela Coordenadoria da Mulher e pela Corregedoria do TJSE há pelo menos quatro anos.

 

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Apesar da mudança beneficiar o juizado onde atua, Luciana entende que a mudança repentina trouxe desconforto para muitos servidores. “Quando a mudança ocorre assim de supetão, é muito justo que os técnicos de outras varas fiquem desapontados, porque muda demais a dinâmica de trabalho deles. E o Tribunal, infelizmente, não fez a consulta ou trabalhou a questão dos impactos de forma prévia”.

 

Diminuição de servidores, aumento de processos

O técnico judiciário José Jorge da Silva Pereira, que trabalha há mais de 18 anos como servidor do TJSE, foi pego de surpresa ao receber os processos redistribuídos com o fim da 9ª vara. Jorge não foi surpreendido só pelo aumento do volume de processos, mas, principalmente, pela falta de recursos humanos, que já eram escassos na 1ª Vara Criminal.

“Se já era corrido, agora com esta juntada de processos da 9ª [vara], ficamos totalmente sobrecarregados”, comenta Pereira. Na avaliação dele e de seus colegas, seriam necessários pelo menos mais dois servidores na função de técnico para dar conta de toda a demanda que se criou a partir da criação do 2º Juizado. “Nós temos aqui um funcionário de férias e um que se aposentou há mais de um ano, e até hoje não foi enviado outro para reposição”.

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1ª Vara Criminal tem sobrecarga de processo

 

Na opinião de Jorge, os processos criminais exigem um trabalho árduo, e o ideal seria “a criação de uma nova vara que recebesse estes processos da 9ª”. O técnico judiciário conclui chamando atenção para a falta de comunicação por parte do TJSE na transferência dos processos: “Deveriam ter informado anteriormente. Estaríamos melhor preparados para receber. Agora é trabalhar para dar conta”.

 

Atrasos nos prazos

Entre os servidores do Judiciário com quem a comunicação do Sindijus conversou, todos foram unânimes em apontar que o aumento no volume de processos deve criar um efeito cascata afetando diretamente nos prazos para a conclusão de seus trabalhos.

Paulo Roberto Freitas Dantas, escrivão lotado na 4ª Vara Criminal, examina a questão dos prazos do ponto de vista matemático. “Antes, tínhamos em nossa vara 853 processos; depois passamos para 1.134 processos. Como você aumenta o volume de trabalho em cerca de 30% e não aumenta a força de trabalho? O prejuízo no serviço vai acontecer. Não vai ter como cumprir os prazos da Corregedoria. Essa conta não fecha”, calcula.

Apesar da possibilidade de criação de uma nova vara para atender à grande demanda de processos que estavam na 9ª vara, Paulo Roberto indica a necessidade de um estudo por parte do TJSE que examine a possibilidade de pelo menos mais um servidor por vara criminal.

Paulo Roberto observa que, na economia gerada pela não criação de uma nova vara, abriria a oportunidade de acrescentar mais um servidor ao quadro de cada uma das varas criminais. “Já que o Estado não teve as despesas de uma nova vara, com um juiz a mais, um promotor a mais e um defensor a mais, então poderiam avaliar a colocação de um servidor a mais para cada vara que recebeu estes processos”.

 

Sem estrutura e sem preparação

Em sua visita à 9ª Vara Criminal, o Sindijus constatou que o TJSE transformou a vara criminal no 2° Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher sem oferecer recursos humanos especializados, sem fornecer qualquer tipo de treinamento aos seus servidores e sem fazer adequação de seu espaço físico para recepção dos novos processos.

Em suas novas tarefas, os servidores têm se inteirado do funcionamento do órgão e se familiarizado com os processos e ritos com o apoio direto de colegas do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher.

“Preparação não houve, só houve o comunicado”, informaram à reportagem os servidores que atuam no novo Juizado.

No dia-a-dia dos servidores, Luciana Nunes do 1º Juizado de Violência Doméstica também destaca a falta de adaptação onde antes estava a 9ª Vara para receber os processos de violência doméstica. “O espaço físico não comporta, não há salas necessárias.”

Além disso, Luciana ressalta a falta de treinamento dos servidores da 9ª Vara e a não criação de uma equipe psicossocial. “Não houve uma preparação sobre a Lei Maria da Penha. Nossos colegas é que vieram conversar com a gente.”

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1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher conta com estrutura de atendimento

 

“Aqui já tivemos quatro pessoas, duas psicólogas e duas assistentes sociais. Hoje só contamos com uma assistente social e uma psicóloga. E o correto seria criar um núcleo psicossocial para atuar junto ao novo Juizado. Mas não há indicativo disso”, conclui.

Neste momento, o 2 ° Juizado tem recebido somente pedidos de cumprimento de medidas protetivas de urgência. Os servidores do novo juizado ainda não possuem dimensão da dinâmica e do volume de trabalho que os espera. No entanto, tudo indica, que o número deve ser grande, visto que em duas semanas já foram registrados mais de 60 processos.


Autor: Cristiano Navarro

 

 

 

 

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