Indenizações de licença rendem bilhetes premiados de até 40 mil para CCs no TJSE

O que separa um técnico judiciário que recebe R$ 4 mil a título de indenização de licença-prêmio de outro técnico que recebe R$ 30 mil da mesma indenização? O cargo de confiança que é computado no valor da indenização.
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Licença-prêmio é uma recompensa à assiduidade concedida aos funcionários públicos efetivos do Estado de Sergipe. Mas no Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE), mesmo sem ter direito à licença, os cargos de confiança (CC/FC) são computados no valor da indenização dessas licenças. É como ganhar um bilhete premiado sem precisar ter sorteio, pois quem ocupa CCs já têm a garantia que ficará mais endinheirado que os outros servidores.

Após o último pagamento das indenizações de licença-prêmio a folha de pagamento do mês de julho do TJSE foi atualizada no Portal da Transparência, revelando que a desvalorização dos cargos efetivos não é falta de dinheiro e, sim, ao contrário, é o dinheiro de sobra, mas que continua sendo destinado aos privilégios.


Estourando o teto

A atualização mostra que diversos ocupantes de CCs, ou suas respectivas incorporações, foram agraciados com indenizações muito superiores ao valor do cargo efetivo gerador da licença a ser indenizada, resultando em contracheques que estouraram o teto salarial do serviço público. Muitos contracheques bateram a casa dos 50, 60, 70 e alguns chegaram até 80 mil reais nesse mês. São valores que equivalem ao vencimento mensal de 17 servidores efetivos e ao dobro do subsídio dos juízes.

Um agente judiciário que recebe R$ 3.593,85 de vencimento base, por exemplo, recebeu indenização de licença-prêmio no valor de R$ 15.539,70, um montante 332% maior que o vencimento do seu cargo efetivo. Já um técnico judiciário que recebe vencimento de R$ 5.863,01 recebeu indenização de licença no valor de R$ 30.312,50, o valor é 417% maior que o seu vencimento e que o valor recebido por muitos outros técnicos.

Analista judiciário que recebe R$ 8.908,31 no vencimento recebeu indenização de licença no valor de R$ 33.190,47, distorção de 272% com relação ao valor do seu cargo efetivo. Oficial de justiça que recebe vencimento de R$ 11.534,14 foi beneficiado com indenização de licença no valor de R$ 37.016,53, uma diferença de 220%. Escrivão com vencimento de R$ 14.133,64 recebeu indenização de licença no valor de R$ 40.951,44, ou seja, uma diferença de 189% entre o vencimento base e a indenização.

Todos os exemplos citados, cujos servidores foram premiados com indenizações incompatíveis com o vencimento do cargo efetivo e, consequentemente, com o valor recebido por seus pares, têm uma coisa em comum: ocupam ou incorporaram cargos de confiança.

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Por outro lado, no mesmo tribunal, os servidores efetivos que não têm padrinhos para indicá-los a CCs receberam indenizações de licença que computam o salário efetivo, que compreende vencimento base, triênios, adicionais de titulação e qualificação e outras vantagens eventuais, a exemplo da gratificação de interiorização. Na maioria desses casos, o valor da indenização não apresenta diferença exagerada em relação à remuneração do cargo efetivo.

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O fosso de desigualdades, que separa as superindenizações das subindenizações, fica visível quando comparados os valores pagos aos servidores ocupantes de CCs e os valores pagos aos não ocupantes de CCs, todos do mesmo cargo efetivo.

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De acordo com os dados do Portal da Transparência do TJSE, no último mês de julho, foram gastos com indenizações de licença R$ 14.231.102,74. Apesar do montante milionário, muitos servidores efetivos não tiveram direito ao recebimento da indenização, o que aprofunda ainda mais as desigualdades dessa política. Situação que inflama o sentimento de injustiça e torna-se um desincentivo em grande parte da categoria.


Irregularidade Jurídica

Essa imoralidade prejudica todos os servidores que estão sem a valorização digna do seu cargo efetivo. Além disso, a anabolização das indenizações com os valores de CCs tem outro problema grave, a legalidade.

A licença-prêmio é assegurada nos artigos 96 e 208 do Estatuto do Magistério de Sergipe (LC 16/1994), que se aplica aos servidores públicos estaduais estatutários até que seja reformado o atual Estatuto dos Funcionários Públicos Civis de Sergipe (Lei nº 2.148/1977). Entretanto, a gestão do TJSE baseia-se na Lei Complementar 326/2019, de própria autoria, para converter licença-prêmio em pecúnia no valor correspondente à remuneração do servidor no mês em que for efetivado o pagamento, incluindo-se aí os valores dos CCs.

Pergunta-se, qual o motivo lógico para computar o valor do CC na indenização de licença-prêmio já que o CC não possui direito a licença-prêmio?

O próprio Pleno do Tribunal de Justiça de Sergipe tem essa resposta. Em diversas oportunidades, os desembargadores já decidiram que não existe previsão legislativa contemplando os comissionados com a licença-prêmio e que este é um direito garantido exclusivamente aos servidores públicos efetivos estatutários.

“Se os detentores de cargos em comissão desempenham função pública a título precário, sua situação é incompatível com o gozo de quaisquer benefícios que lhes confira o vínculo de caráter permanente, como é o caso da licença-prêmio. Qualquer interpretação em contrário violaria os princípios constitucionais da legalidade, da razoabilidade, proporcionalidade e da moralidade, que norteiam a atividade da Administração”, argumentou o desembargador Cezário Siqueira Neto no julgamento da Apelação Cível 2009209828.

É tão sólido o entendimento que os CCs não possuem vínculo a licença-prêmio, que o setor de Gestão de Pessoas do TJSE só admite a concessão da licença aos servidores efetivos. Logo, não existe licença-prêmio para CCs no TJSE.

O advogado do escritório Advocacia Operária, Lucas Rios, explica os conflitos no cálculo aplicado pelo TJ na indenização. “A inclusão do cargo em comissão na base de cálculo da indenização cria uma enorme distorção financeira em relação aos outros servidores, também efetivos, que não ocupam cargo comissionado ou função gratificada. Ademais, o intuito da licença, indenizada ou não, é premiar o servidor assíduo, não o CC ou a FC no qual ele está temporariamente investido. Instaura-se um grave conflito entre a natureza jurídica transitória do CC e da FC com o pagamento da indenização tendo essas parcelas na base de cálculo, visto que este pagamento possui contornos de definitividade”, defende.


Posicionamento da categoria

A Assembleia Geral dos servidores efetivos do TJSE já possui posicionamento sobre a questão, desde o dia 25 de abril deste ano. Após debater a política de indenizações de licença do TJSE, a categoria entendeu que, apesar da importância da indenização – para aliviar, momentaneamente, o orçamento estrangulado dos servidores que recebem um dos piores salários do Judiciário brasileiro – o cômputo dos CCs nas indenizações é lesivo e aumenta as desigualdades internas no Tribunal.

A categoria defende que a conversão da licença em indenização só deve ocorrer quando houver disponibilidade financeira favorável, isto é, após quitadas as dívidas da gestão com os cargos efetivos. Também defende que as indenizações precisam ser moralizadas, com a exclusão, no cálculo, dos CCs que geram essas distorções abissais. Devem ser computados, exclusivamente, os valores remuneratórios relacionados aos cargos efetivos, que são os únicos geradores da licença a ser indenizada.

Apesar do presidente do TJSE, Ricardo Múcio, já conhecer o posicionamento da categoria, a mudança ainda não avançou. Enquanto isso, o tribunal mantém o problema: paga indenizações de R$ 4 mil a uns e R$ 30 mil a outros, integrantes do mesmo cargo efetivo. Para garantir a continuidade da política de indenização, sem vícios e adequada à moralidade, a Presidência do TJSE precisa adequar, urgentemente, a Lei Complementar 326/2019, de sua autoria, de modo a não perder de vista o Estatuto e a Constituição Federal, que não asseguram licença-prêmio a cargos de confiança.

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